Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um filme que intercala drama e comédia de forma perfeita. Uma amostra da nova fase de Woody Allen.

6,5

Este filme começa como um típico Woody Allen. Estamos num restaurante na sempre querida Nova York, onde se encontram quatro amigos que, entre uma champanha e outra, divagam sobre filosofia e a arte. Dois deles são diretores teatrais, e começam a discutir sobre qual abordagem deve-se dar ao cotidiano, a da comicidade ou a da tragédia. A conversa se estende um pouco, e parece não chegar a consenso, então um dos amigos propõe contar uma estória, e os dois diretores decidiriam se era uma comédia ou um drama. A estória, bastante simples, sobre uma mulher que interrompe um jantar buscando auxílio, cria discórdia entre os dois, e cada um resolve contar sua abordagem própria.

As reflexões filosóficas e diálogos trabalhados que tanto caracterizam a obra do diretor páram aqui, e este novo filme revela-se um exemplo claro da 'nova fase' de Woody Allen, se é que já se pode chamá-la assim, de comédias leves e despretenciosas. Mas, ao contrário de seus outros filmes recentes, como Dirigindo no Escuro e O Escorpião de Jade, este se apresenta mais minimalista, não na narrativa em si, mas na questão proposta. A vida é um drama ou uma comédia? Apesar dele não dar um novo enfoque a esta mais que batida pergunta, aqui a discussão pode ser levada para outro âmbito, o do cinema. Woody sempre foi um roteirista além de cineasta, e um dos problemas básicos dos escritores é este: "o que diabos o diretor vai fazer com meu roteiro?". Muitas vezes, quando o diretor não teve participação no roteiro, ele o acaba pervertendo completamente, tanto no bom quanto no mau sentido da palavra. Um diretor essencialmente melodramático daria uma abordagem completamente diferente de um artista ou de um comediante, e todo o trabalho e a concritude da obra do roteirista vai pro saco. Ao menos para esta questão o filme parece dar uma abordagem interessante.

Mais que isso, este filme pode ser estendido para o cinema do próprio Allen, já que sua filmografia variou desde o cômico (A Rosa Púrpura do Cairo) ao extremamente dramático (Interiores), e passando pelos dois (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), e esteve em constante metamorfose ao longo de seus 40 anos de carreira. Melinda e Melinda é inteiramente estruturado ao redor das duas versões da estóriam, quase que opostas, mas que partem da mesma premissa - e até têm várias situações em comum. Enquanto a trama básica contada pelo amigo permanece inalterada, são nos detalhes que os dois teatristas divergem. A Melinda da estória é uma mulher que teve um caso e, quando o amante se envolve com outra e o marido a deixa, ela toma diversas pílulas para dormir e bate na casa do casal que está dando o jantar. Na versão de comédia, ela é apenas uma vizinha, enquanto no drama ela é uma amiga de adolescência da mulher do casal. Mas as diferenças são mais profundas; enquanto na comédia, Melinda conta rapidamente sua história em tom de piada e deboche, a Melinda do drama passa o filme inteiro se atormentando pelos seus atos. O passado não interessa à comédia, relembrar é sofrer, seja pela saudade dos bons tempos ou pela incapacidade de esquecer os ruins.

Esses paralelos entre as duas estórias ocorrem frequentemente durante o filme, uma vez que ele foi montado intercalando-as o tempo todo. Enquanto um evento é contado pela versão dramática, o evento seguinte é contado pela versão cômica. Neste aspecto o filme foi muito bem sucedido (mesmo que se utilize de um recurso nada original), já que consegue criar as situações de ambas estórias sem repetí-las, o que comprometeria não só o ritmo como a própria proposta da obra. Apesar de eu ter achado que as partes dramáticas duraram mais tempo (talvez porque o tempo seja mais arrastado em situações de conflito), há um bom equilíbrio entre as duas, algo que se torna extremamente necessário. A direção de arte também ajuda neste ponto, utilizando-se de uma fotografia mais viva e colorida para a versão comédia, e uma fotografia mais crua e seca no drama, abusando de closes, além da quase que total ausência de música nesta, em contraponto com o jazz instrumental predominante na outra parte.

Se, no final, podemos chegar à alguma conclusão é a de que o drama e a comédia são dois lados de uma mesma moeda. Quando o marido pergunta à mulher se a peça dela seria um drama ou uma comédia romântica, ela responde dizendo que são a mesma coisa, e o próprio filme parece ir por este caminho. Apesar das abordagens serem bem diferentes, temos tanto momentos de descontração no drama quanto momentos de pessimismo na comédia. Um fator que ajuda a observar isso é a presença da mesma atriz interpretando Melinda nas duas estórias, apesar de que é um pouco difícil reconhecer (algo inverso ao que ocorre em Esse Obscuro Objeto de Desejo, onde temos duas atrizes interpretando a mesma personagem). Como a vida, que é feita tanto de dramas e comédias, assim também o é o cinema, e esse filme pode ter sido uma resposta de Allen a todos os críticos que rejeitam os seus novos trabalhos, preferindo continuar idolatrando seus clássicos.

Comentários (0)

Faça login para comentar.