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Críticas

Cineplayers

Um filme que se preocupa absurdamente com o visual, mas se esqueceu do principal: contar uma boa história.

4,0

Memórias de uma Gueixa poderia ser encaixado no que os analistas do mercado cinematográfico chamariam de “chick flick”, ou filme de mulherzinha, aqueles destinados a atingir o público feminino com grandes histórias de amor açucaradas e toques feministas. O gênero fez a fama e a fortuna de gente como Meg Ryan e Nora Ephron, mas hoje está em decadência, tanto que Ephron está indicada como pior roteirista e pior diretora ao prêmio Framboesa de Ouro deste ano por A Feiticeira. A imprensa britânica tem para esse tipo de filme um adjetivo ainda mais pejorativo e um tanto preconceituoso, “period movies”, ou filmes de menstruação.

No entanto, Memoirs of a Geisha é mesmo um folhetim espalhafatoso: mulheres lindíssimas e de personalidade, mas pobres, correm atrás de seus homens impossíveis (e ricos) sempre muito maquiadas, debaixo de uma torrente de música chorosa e cafona, o que causará muito sofrimento à protagonista. É o clássico do melodrama de gosto duvidoso que alimenta o cinema, as novelas e os livros popularescos há décadas.

O diretor Rob Marshall fez um filme sem ritmo, mais preocupado com a parte visual, sem nenhuma vergonha em lançar mão dos mais surrados e infames clichês para contar uma história rala e insossa. Demora uma hora na protagonista ainda criança tentando fugir da escola de gueixas, sendo que todos sabem que ela será uma mais tarde. Assim, o filme só dá uma animada quando entra Michelle Yeoh, a coadjuvante que rouba o filme, pois ela a ensinará as artes para a adolescente. Quando Yeoh sai para dar lugar ao romance lacrimejante, “Memórias” afunda novamente.

As quase três horas de duração começam a se tornar uma tortura quando, para realçar ainda mais o drama da heroína (como se precisasse), usa-se em excesso a música, na maioria das vezes num volume assustadoramente alto e repetindo os temas sem fim. Trilha sonora de filme histórico feminino em Hollywood é sempre melosa, saturada de cordas e imbuída de tristeza kitsch. É isso o que John Williams fez. Para tanto, chamou o violoncelista japonês Yo Yo Ma e o no mínimo polêmico Itzak Pearlman para o violino – há uma piada no filme Hannibal sobre ele, pois o serial killer Hannibal Lecter, apreciador da boa música clássica, teria comido o fígado de Pearlman na tentativa de melhorar a qualidade da Orquestra Sinfônica da Filadélfia.

Williams acomodou-se nas suas 45 indicações ao Oscar (cinco vezes vencedor, por trilhas clássicas como Tubarão e E.T. – O Extra-Terrestre) e vem produzindo furiosamente nos últimos anos uma quantidade impressionante de trilhas medíocres. Por conta disso, nunca foi chamado para ser maestro de uma grande orquestra americana. Nenhuma de suas composições entrou para o repertório mundial. Não é respeitado como compositor erudito, mas como entertainer pop que usa grandes músicos, pagos a peso de ouro, para desenvolver seus temas chinfrins.

Enfim, Memórias de uma Gueixa é como sua música: vazia e enjoativa. Foi um retumbante fracasso de bilheteria e crítica, causou problemas diplomáticos com a China e provou que Rob Marshall não é nenhuma revelação, que Hollywood reserva aos atores estrangeiros o eterno exotismo e que, em termos de cafonice grandiloqüente e descomunal, os americanos são mesmo insuperáveis.

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