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Críticas

Cineplayers

As imagens que faltam.

7,0

Bryan Bertino é um nome que merece a atenção dos fãs de filmes de terror. Seu único trabalho até então foi Os Estranhos, um dos melhores exemplares do gênero do cinema americano nos últimos sei lá quantos anos. Com um argumento manjado – do casal que está isolado no meio de uma cabana e luta para sobreviver a um ataque de três psicopatas mascarados –, e um roteiro que segue as cartilhas mais convencionais possíveis, ele conseguiu ressuscitar o medo que esses tipos de clichê causavam há décadas atrás, mas que ultimamente não passavam de recursos desgastados e ineficientes. Seus truques para reascender a velha chama foram bastante simples, até mesmo óbvios e esperados por um cineasta com o mínimo de talento ou senso de cinema, como a manipulação eficiente de sons e imagens a ponto de criar um jogo de perspectivas deliciosamente aterrorizante, sem se ater demais a explicações e baboseiras apelativas.

O mesmo se dá agora com seu novo trabalho, Mockingbird, uma boa levantada no mockumentary, um subgênero do terror em que a câmera é manipulada pelos próprios atores numa espécie de falso documentário. O que havia sido uma sensação popularizada por A Bruxa de Blair, ultimamente já não passava de um recurso manjado e, pior, usado para cobrir/justificar o relaxo de algumas produções. No filme de Bertino, esse formato corrobora com a formação de uma identidade visual muito forte que o diretor vem desenvolvendo desde Os Estranhos, inteiramente baseada em assustar o espectador e criar o clima de tensão com os elementos não presentes fisicamente em cena. Se em Os Estranhos o que aterrorizava era, além das mórbidas máscaras usadas pelo trio de psicopatas, a combinação de sons e vultos percorrendo a área em volta da casa habitada pelo casal, agora em Mockingbird nem mesmo esses elementos se encontram devidamente planejados para nos pegar de surpresa, já que o mockumentary mata qualquer pré-planejamento muito milimétrico por parte do diretor.

A trama se divide em três núcleos que, eventualmente, se cruzarão cedo ou tarde. O primeiro envolve um casal, o segundo uma estudante universitária e o terceiro um jovem desempregado. Esses quatro personagens recebem na porta de casa uma câmera de vídeo já ligada e registrando, junto com um bilhete informando que foram selecionados para um jogo e que devem continuar gravando. A princípio estranha, porém inofensiva, a brincadeira vira um pesadelo quando eles recebem novas orientações que os aprisionam em um jogo doentio, que pode resultar na morte deles caso desobedeçam às regras.

O filme se divide exclusivamente nos fragmentos intercalados dessas gravações feitas pelos personagens, o que lhe garante um caráter amador que é muito bem aproveitado por Bertino. A beleza de toda a iniciativa do diretor se encontra em causar pânico não necessariamente pelo que a câmera mostra, mas por aquilo que ela não alcança devido à “inexperiência” de seus manipuladores. Claro que isso poderia servir de desculpa para um filme espertinho e preguiçoso, mas nas mãos de Bertino é pura tensão, potencializada pelos recursos mais manjados do gênero (as imagens trepidantes que jamais focalizam devidamente a ação corrente, a tempestade, o telefone mudo, os relâmpagos iluminando rapidamente os ambientes imersos na escuridão) e pela habilidade de se estruturar quase que integralmente naquilo que não conseguimos ver ou sequer dimensionar, visto que os autores da brincadeira só dão as caras nos momentos finais. Há um quê de Violência Gratuita e de Jogos Mortais, além de ecos do suspense francês Eles, mas em essência Mockingbird se trata de um autoral projeto-ensaio sobre os fundamentos do uso e manipulação de imagens nos filmes de terror, e de como a falta delas também pode ser eficiente. A câmera em primeira pessoa, por vezes, é empregada de tal forma a evocar Halloween - A Noite do Terror e relembrar as bases que Carpenter lançou ali no jogo de perspectivas que se pode arquitetar com o aproveitamento do extracampo.

Dois fatores enfraquecem o que poderia ser algo próximo a um grande filme de terror. O primeiro é o final anticlimático (um problema também encontrado em Os Estranhos), e o segundo se dá pelo núcleo comandado pelo jovem desempregado, que a certa altura é orientado pelos autores do jogo a se vestir de palhaço e cumprir uma série de exigências que, embora essenciais dentro da história do filme, quebram toda a tensão dos outros dois segmentos com um inexplicável humor descabido. Cada vez que o personagem entra em cena o horror construído até então é diluído e, com isso, o espectador tem a chance de se recompor e enfrentar cada vez menos assustado o decorrer do filme. É uma pena, mas não chega a comprometer por completo o trabalho, que tem a seu favor o que nenhum outro longa recente do cinema americano de terror tem: um bom diretor.

Comentários (2)

Jéferson Vivas Aragão | sábado, 03 de Janeiro de 2015 - 03:32

Me animou pra ver, parece ser bem tenso e pelo pouco que me lembro de Os Estranhos, eu tinha curtido.

Lucas Souza | sábado, 03 de Janeiro de 2015 - 11:28

Poxa, a crítica me animou d+ também, no aguardo!

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