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Críticas

Cineplayers

Apesar de ser um dos trabalhos mais irregulares do grupo, mantém a estética única e original que só os Pythons poderiam oferecer.

6,0

É incrível como um filme consegue ser tão genial e, ao mesmo tempo, tão decepcionante quanto O Sentido da Vida. Ao longo de seus 107 minutos de duração, somos agraciados com algumas das piadas mais hilariantes já concebidas pelas doentias mentes dos integrantes do Monty Python, do qual faziam parte Terry Gilliam, Terry Jones, John Cleese, Eric Idle, Graham Chapman e Michael Palin. Porém, mesmo que conte com estes inspiradíssimos momentos, esta terceira e última incursão do grupo de humor mais famoso da televisão inglesa no cinema é, em um todo, um filme bastante irregular. Além de conter um grande desnível de qualidade, preenchendo espaços vagos com piadas pouco inspiradas e, por mais incrível que possa parecer, levando em conta a filmografia do grupo, bastante ordinárias, ainda falha em sua estruturação narrativa de maneira incompreensível.

Na verdade, a maior decepção, para mim, nem reside dentro do próprio filme, mas sim nas circunstâncias encontradas para sua realização. Para a produção de Em Busca do Cálice Sagrado, primeiro longa-metragem dos Pythons (como se auto-denominam) feito originalmente para a grande tela, o grupo contava com um orçamento risível, praticamente inutilizável. Tanto que, em meio às filmagens, o dinheiro acabara, e o término de sua concepção só fora possível com a caridade de homens como George Harisson, eterno guitarrista dos Beatles, que dizia ser fã incondicional do grupo. Resultado: mesmo com recursos escassos e pouquíssima disponibilidade técnica, utilizados, ainda, em prol da comicidade do filme, Em Busca do Cálice Sagrado fora imortalizada como uma das obras mais importantes da história das comédias-pastelão.

Seu segundo trabalho, A Vida de Brian, também contivera semelhantes características circunstanciais: com a indisponibilidade de cacife para a construção das locações necessárias para a ambientação da obra (que se passa durante a suposta vivência de Cristo), o grupo utilizara, como cenário, as sobras de uma produção de Franco Zefirelli, e nem por isso deixara de produzir um ótimo filme. Porém, para a realização de O Sentido da Vida, os Pythons receberam o aval de um importante estúdio de Hollywood para sua livre criação e, ainda, contaram com um orçamento muito mais elevado do que o de suas obras anteriores. E é agora que chego aonde pretendo chegar: diante de circunstâncias tão favoráveis (e inéditas), o grupo tinha tudo para nos apresentar sua maior obra-prima. Entretanto, é sensível o declínio da qualidade do filme em relação aos dois anteriores.

Claro que, mesmo com todos estes pequenos problemas, ainda se trata de um hilariante exemplar da brilhante carreira do Monty Python. A idéia do filme é bastante simples: através de vários esquetes cômicos, de relação praticamente independente entre si, mostrar as várias fases da vida das pessoas, desde o momento do nascimento, ou seja, o marco inicial, até a sua morte, tentando encontrar o verdadeiro sentido da vida. Com isso, o grupo passeia livremente entre as principais e mais comuns etapas da evolução individual de uma pessoa (a infância, a meia-idade e o momento de sua eternização, por exemplo), sem preocupar-se, de maneira alguma, em encontrar ligações seqüenciais entre as partes. Ou seja, cada momento de O Sentido da Vida poderia, tranqüilamente, ser visto separadamente, como um pequeno quadro do show de televisão do grupo, sem que, com isso, se perdesse qualquer detalhe relevante.

Ainda assim, alguns dos momentos mais extraordinários da filmografia do grupo são exatamente alguns destes esquetes que compõem a obra. É impressionante a potencialidade cômica de certos quadros do filme, ainda mais para aqueles que já estão familiarizados com o trabalho e/ou o estilo dos ingleses. O prólogo, por exemplo, já demonstra a extrema qualidade da direção de Terry Gillam, que, mais tarde, seria o responsável por obras impecáveis como Brazil - O Filme e Os Doze Macacos. Nele, um grupo de velhinhos, trabalhadores de uma empresa de contadores, conduz uma espécie de motim que tem como conseqüência a rendição de seus patrões e o controle do barco, digo, do escritório. Ou melhor, do barco mesmo, já que, em seguida, o edifício começa a navegar pela cidade em direção ao centro financeiro do país. O resto é melhor nem contar, mas garanto que é maravilhoso.

Aliás, vale como curiosidade: este primeiro episódio, que é apresentado em forma de curta-metragem devido à sua longa duração (o orçamento comportava uma seqüência de cinco minutos, mas ela ultrapassara a metragem em mais de 10 minutos), fora o único momento do filme sob a direção de Gilliam. Enquanto Terry Jones dirigia os outros quadros da obra, Gilliam produzia este seu mini-projeto paralelamente, ficando assim um pouco afastado da realização do resto do filme. Porém, o sacrifício valera a pena: além de este ser um dos momentos mais impressionantes da obra, em especial pela sua excelente parte técnica (uma espécie de aperfeiçoamento para tudo aquilo que o diretor viria a dirigir em seguida), ainda abrira as portas de Hollywood para solidificar a carreira individual de Gilliam.

Porém, além deste, ainda existem outros grandes momentos cômicos dentro de O Sentido da Vida. O que dizer, por exemplo, do brilhante esquete sobre um casal de católicos que, levando à risca as recomendações e os ensinamentos pregados pelo cristianismo, concebe um filho toda a vez que vai praticar o ato sexual? É simplesmente impossível controlar o riso em toda a duração da seqüência. O seu desenrolar, com direito até a uma música sobre esperma (composta, coreografada e dirigida com extrema maturidade e competência, vale dizer - até mesmo para os padrões normais do cinema) e um hilário diálogo entre um casal de protestantes a respeito dos ideais católicos (filmado em um plano magnífico onde, ao fundo, através de uma janela, podemos ver as mais de 50 crianças do casal marchando em direção à clínica para qual serão doadas), é impagável.

Somando-se a estes, ainda temos outros hilariantes momentos, que não irei detalhar para não estragar a experiência de quem não os viu: a aula de sexo de um professor de uma escola masculina; a seqüência do transplante de fígado; as piadas envolvendo os peixes do aquário do restaurante; a cena em que Sr. Creosante, um homem extremamente obeso, come tudo o que pode em um chique restaurante e, em seguida, explode; a bem-humorada sátira a O Sétimo Selo, onde um grupo de burgueses campestres recebe a visita da morte após serem envenenados com um musse de salmão e o epílogo arrebatador e extremamente alucinado, entre outros, já fazem valer a pena o dinheiro gasto para locação ou a compra da obra.

Outra grande qualidade da obra são as interpretações dos integrantes do grupo. Como habitualmente o fazem, cada indivíduo interpreta diversos papéis dentro da obra, contracenando, muitas vezes, até consigo mesmo. Praticamente todos estão impecáveis (com destaque para Eric Ridle e Terry Jones, ambos fazendo excelentes interpretações femininas - Jones já havia sido eternizado como a inesquecível mãe de Brian, da obra anteriora), transformando o filme em um exemplar indispensável para qualquer pessoa que queira trabalhar com interpretação cômica - reparem como as caracterizações, os trejeitos e as idéias do grupo são “chupadas” sem qualquer pudor pelos integrantes do Casseta e Planeta, por exemplo, um dos grandes grupos de humor ainda atuantes no Brasil.  

Ainda assim, diante do fim de O Sentido da Vida, senti falta de uma ligação maior entre todas estas geniais piadas. Alguns momentos são brilhantes, com toda a certeza, mas uma construção narrativa um pouco mais elaborada faria muito bem à estruturação do filme, além de possibilitar uma evolução mais natural da cronologia idealizada pelo grupo. Além disso, vale ressaltar a carência de uma personagem principal, que poderia permitir uma compreensão mais lógica e verossímil da proposta da obra - fato que é até mesmo admitido pelo grupo, no documentário que acompanha o DVD. Porém, não deixo de recomendar este interessantíssimo trabalho do Monty Python, que não tem sua importância diminuída mesmo com seus pequenos tropeços. Afinal, esta é uma das três únicas oportunidades de vermos em ação, juntas, algumas das mentes mais geniais da comédia inglesa de todos os tempos.

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