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Críticas

Cineplayers

Em um período em que já o apontavam como em decadência, Peter Bogdanovich realiza um filme maravilhoso que se constitui um dos pontos altos de sua filmografia.

9,0

A história cinematográfica oficial conta que os grandes filmes de Peter Bogdanovich são os que ele fez até Lua de Papel. De acordo com o que seria um consenso entre uma parcela da crítica, depois desse primeiro período de sua obra, o único trabalho mais digno de menção é o melodrama Marcas do Destino, sucesso popular nos anos oitenta. Ledo engano, porque um olhar atento sobre a trajetória do cineasta permite aferir que Bogdanovich possui outros filmes muito bons em seu currículo, como o belo Daisy Miller, ou esse Muito Riso e Muita Alegria, que está à altura dos melhores que realizou.

É uma comédia sofisticada e inteligente, que por cerca de duas horas mantém um tom de completa exuberância, beirando a um verdadeiro êxtase cinematográfico. O filme gira em torno dos detetives de uma agência de investigação particular que enfrentam problemas com maridos e esposas desconfiados, e que se apaixonam por duas mulheres que precisam vigiar: uma mais velha interpretada por Audrey Hepburn (em um de seus últimos filmes) e outra mais jovem feita pela modelo Dorothy Stratten, provavelmente uma das mulheres mais lindas que surgiu no cinema da época, por quem Bogdanovich se apaixonou e que tinha tudo para ser uma das maiores estrelas daquela década, mas que seria tragicamente assassinada pelo marido logo após as filmagens (a sua história foi contada em outro filme, Star 80, de Bob Fosse).

O personagem de Stratten não é o centro da trama, mas o filme acaba sendo uma celebração de sua beleza, nos vários momentos em que Charles, o personagem interpretado por John Ritter, observa e lentamente se apaixona pela Dolores de Stratten, num dos mais perfeitos exemplos da utilização do plano subjetivo, em várias cenas que se constituem em pouco mais do que um personagem a olhar para outro. No geral, o filme tem a graça e o requinte dos musicais (mas sem ser um exemplar do gênero), um exercício de estilos e formas cinematográficas que fascinam e com a perspicácia visual de um diretor interessado no sentido mais artesanal de seu oficio.

É o trabalho de direção mais inspirado de Bogdanovich. As cores e texturas saltam do quadro e vão direto aos centros de prazer do cérebro. O tratamento dispensado à encenação é impressionante, com uma coreografia visual em que, para transmitir a sensação de profundidade, detalhes do primeiro plano e do plano se fundo se misturam em uma brilhante justaposição. O cineasta faz o possível para garantir que o movimento e a ação através do espaço cênico sejam exatos e eficientes, com um trabalho de edição e destreza em dispor os atores em cena, e deslocá-los em seus posicionamentos na tela, com sutis e esmerados alinhamentos de câmera, e todos interagindo sob a mesma pulsão.

Há também o capricho e o cuidado com os cenários e uma excelente trilha sonora que desempenha um papel essencial no tom emocional da obra, e que inclui canções de Frank Sinatra (entre as quais, a sua versão de New York, New York), Johnny Cash, Louis Armstrong e até de Roberto Carlos (!), num ótimo aproveitamento de uma de suas músicas tocada praticamente inteira numa sequência em que os personagens se encontram em uma loja.

Parece esforço de Bogdanovich realizar uma comédia popular, mas sua elegância e bom gosto (estilístico) invariavelmente transcendem o próprio gênero. They All Laughed é uma comédia romântica que se aproxima de Cassavetes na maneira de captar os encontros e as crises entre os personagens em torno de situações comuns, e que com a vivacidade das imagens culmina em uma apoteose de amor e felicidade, encerrando um filme, que pelo frescor e liberdade da sua visão, alcança tamanha ternura, delicadeza, sutileza e sentimentos sinceros em toda a sua leveza.

O cineasta o considera o filme mais pessoal de sua carreira, e ao mesmo tempo, a mais alegre e triste experiência de sua vida (o que acaba por se refletir no próprio filme). A lamentar, apenas o título nacional, Muito Riso e Muita Alegria, sem dúvida uma das piores versões de títulos já feitas para um filme estrangeiro aqui no Brasil, e que deve ter ajudado para que o filme de Bogdanovich nunca tenha sido levado muito a sério por aqui.

Comentários (2)

Lucas do Carmo | domingo, 15 de Abril de 2012 - 20:48

É um puta filme do Bogda. Boa critica.

Daniel Mendes | sexta-feira, 28 de Outubro de 2016 - 17:00

Excelente, está facilmente entre as melhores críticas do site.

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