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Críticas

Cineplayers

Crime e Autoflagelo.

7,0
Daqueles suspenses investigativos vigorosos, Na Próxima, Acerto no Coração se baseia numa série de crimes ocorridos na França durante a década de 70. Ambientação e atmosfera são dois expoentes do filme, mas nada se destaca mais do que o Franck Neuhart concebido pelo ator Guillaume Canet, que faz da inexpressão uma aliada. É ele quem investiga, é ele quem mata. Spoiler? Não, o roteiro não planeja surpreender o espectador, ele permite que acompanhemos a dualidade das ações de seu protagonista, seus planejamentos – ou impulsos destrutivos – que lhe faz cometer crimes contra mulheres.

A complexidade da mente de Neuhart é o assunto do roteiro. Se tecnicamente o filme é competente em sua concepção atmosférica, com a iluminação rarefeita conciliada com a neblina invernal metafórica a nebulosidade de seu protagonista, é ainda melhor na maneira que trabalha seu personagem. Canet tem créditos por isso com sua interpretação corporal, sua frieza e inacessibilidade que não permite que personagens e espectadores o alcancem.

O diretor e roteirista Cédric Anger teve uma escolha: centrar no personagem a ponto de negligenciar os outros, ou explorar os outros sem preocupar-se em ir a fundo em seu protagonista. Determinado em apresentar sem sutilezas o passo a passo de Franck Neuhart, parece mesmo que a intenção foi dissecá-lo no sentido de utilizar da imagem para deflagrá-lo. O cineasta faz isto a partir do método de observação cênica. Não há quem explique-o. Que o espectador dê conta de compreendê-lo conforme lhe convém. Que curiosos e estudiosos deem conta de analisá-lo. Não é papel deste filme enquadrá-lo.

Enquanto suspense policial, segue os moldes de alguns clássicos somando novos detalhes. São tantos os assassinos seriais do cinema que parece impossível não fazer comparações. Tentarei me abster dessas, deixando-as aos seus apreciadores. A questão é que Franck Neuhart tem distintas dimensões as quais são pontuadas a partir de subtramas. O relacionamento com uma garota declaradamente apaixonada por ele; sua dedicação no trabalho onde dispõe da confiança de seus superiores; as escolhas aleatórias de suas vítimas; e sua auto flagelação. São subtramas que acrescem às potencialidades da história, exprimindo a ira e o caos mental de alguém que garante em confidência a partir de cartas enviadas a própria polícia: na próxima, acertará no coração de seu alvo. Parece um desafio que faz a si mesmo.

Os crimes ocorreram longe da badalação da capital francesa; acontecem na província de Oise. Então, o assassino mexe completamente com a rotina local, sendo qualquer mulher uma vítima em potencial. Mas vejam, são as jovens que lhe despertam atenção, jovens que poderiam estar ao seu lado num romance convencional. Os crimes então aparecem como compensação de algo que Neuhart não tem: o prazer pelo sexo. Não vem, assim, como uma resposta a alguém rejeitado, mas a alguém incapaz de se relacionar sexualmente. Seu comportamento é passível de estudo e o ator Guillaume Canet, atônito, interpela por uma faceta de profunda incompreensão a quem vê.

A expressão equilibrada que Canet dá a Neuhart quando esse está trabalhando na polícia é intrigante. A narração proposta pelo roteiro se configura sobre uma expectativa frustrada sobre esse personagem: não esperamos descobrir quem é o assassino, mas quando este será descoberto. Assim vão-se cenas vaidosas que acumulam características, como num quebra cabeça sem margens. É o que Cédric Anger retrata em seus planos simples e azulados: uma intimidade enigmática. A história, em suma, é uma ficção livremente baseada num caso verídico descrito no livro de Yvan Stefanovitch. O inacessível fascina entre culpa e autoflagelo.

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