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Críticas

Cineplayers

Mais uma versão da história de um mito australiano, muito bem contada e fotografada.

7,0

Esse filme, uma co-produção entre Austrália, Reino Unido e França, relembra os melhores momentos de títulos famosos do cinema que tentam glorificar as ações de bandidos famosos como Bonnie e Clyde, ou Butch Cassidy e Sundance Kid. Ned Kelly virou bandido após sofrer injustiças da polícia de seu condado, na Austrália. Rebelando-se contra o sistema, e com a ajuda de seu irmão e mais dois amigos, formando uma gangue, Kelly virou figurinha histórica naquele país entre os anos de 1878 e 1880, quando matou alguns policiais, assaltou diversos bancos e foi, durante esse período, o bandido mais procurado do país, culminando em uma batalha por sua vida que mobilizou dezenas de policiais. Hoje há várias estátuas ao redor do país homenageando-o como um símbolo da luta do povo contra a repressão do alto poder corrupto e hipócrita.

O filme é uma espécie de biografia desse personagem histórico. Entendemos as suas motivações, e os fatos que levaram-no a se tornar um fugitivo são retratados de forma muito competente pelo roteiro, fazendo o espectador crer (mesmo que não concorde) nos seus atos. Mesmo não conhecendo previamente o personagem, é possível se importar com ele, já que o mesmo é muito bem interpretado por Heath Ledger (em um papel que lembra, mesmo que de forma distante, seu trabalho em O Patriota), que demonstra personalidade por parte do ator, que ainda não se firmou totalmente na opinião de muitos críticos. Aqui ele está excelente, principalmente nos momentos mais dramáticos.

O resto da gangue, felizmente, não é deixada para trás pelo roteiro. São personagens bem interpretados, cada um com sua própria personalidade distinguível dos outros. Joe Byrne, uma espécie de “sub-chefe” da gangue, é interpretado por Orlando Bloom, que faz um trabalho decente, embora não destacável. O ator ainda tem o que melhorar em relação à qualidade de suas interpretações (se tiver sorte com bons papéis talvez consiga demonstrar que é mais do que apenas um rosto bonito – segundo opinião de muitas mulheres, já que sou indiferente a esse assunto).

Naomi Watts faz o par amoroso de Heath, mas é a personagem mais fraca entre as principais. Aparece apenas em poucas cenas e não é de grande importância à história do filme. Ainda assim a atriz está linda, lembrando muito Nicole Kidman em Cold Mountain, pelo seu tipo físico, já que considero as duas realmente parecidas. É uma atriz que venho aprendendo a gostar cada vez mais, já que apareceu praticamente do nada com o sucesso comercial O Chamado, papel que pessoalmente não admirei. Fora o bom elenco (a maioria atores em ascensão no momento), o filme também consegue se manter pelo bom roteiro. A narração em segundo plano é muito bem utilizada, explicando melhor o que está acontecendo nos momentos que a história corre o risco de tornar-se confusa para quem não a conhece previamente. O recurso funciona muito bem.

Mesmo contando com um roteiro sólido, sem muitos escorregões, ainda há momentos em que os acontecimentos simplesmente tornam-se desinteressantes, deixando o filme lento, o que pode ser perigoso para sua popularidade. Mas isso logo acaba quando entra em cena o vilão do filme, Francis Hare, interpretado pelo ótimo Geoffrey Rush, e a tensão começa a ser novamente sentida. Hare é o encarregado pela Coroa de tentar capturar ou matar Ned Kelly. O personagem é muito bom, demonstrando respeito e seriedade pelas ações do seu alvo – ele sabe que Ned é mais do que um caipira, como muitos pensam, e isso pode ser percebido apenas pela sua expressão ao falar do bandido. Infelizmente, Hare aparece muito tarde no filme, e não tem muitas cenas importantes (exceto a última, talvez), o que faz com que o personagem seja apenas sub-aproveitado. Pelo menos é muito bem interpretado.

Tecnicamente o filme é um capricho só. É fácil notar que não foi trabalhado com um orçamento enorme, mas todos os aspectos são muito bem acabados. A fotografia é linda, Ned Kelly foi inteiramente filmado na Austrália, em regiões abertas de natureza privilegiada, com céus que fazem de muitas imagens uma pintura viva. A trilha sonora, embora simplista, é também um ponto forte, tornando-se perceptível nos momentos de maior intensidade dramática, quando Ned sofre ou toma uma decisão importante, ela ajuda a engrandecer as cenas com um tom quase épico (mesmo que o filme não tenha essa ambição), envolvendo o espectador de forma certeira. O som, aspecto que dificilmente costumo comentar, é também muito poderoso, o filme conta com inúmeras batalhas armadas de munição pesada e barulhenta, tudo bastante realista (principalmente a ótima cena final, lembrando o clássico Butch Cassidy em quase todos os aspectos).

Ned Kelly é um filme aparentemente pequeno, que chegou ao país antes mesmo de ser lançado comercialmente nos Estados Unidos, o que é uma raridade. Tem um elenco novato mas de grande potencial no futuro, e a história é bastante interessante, mesmo para quem vive do outro lado do globo de onde os acontecimentos ocorreram. Não chega a ser um filme maravilhoso ou estonteante em momento algum, tirando o detalhe da linda fotografia, mas é uma boa opção para um filme sério, no meio de tanta avacalhação cinematográfica que está saindo por aí nos últimos meses.

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