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Críticas

Cineplayers

Crítica social de grande impacto para sua época.

8,0

Em 1968, No Calor da Noite (In the Heat of the Night, 1967) vencia o Oscar de melhor filme e, no mesmo ano, morreria o principal ativista do movimento pelos direitos dos negros, Martin Luther King. Apesar do enredo de suspense muito bem costurado, a temática verdadeira desta produção é o preconceito latente daquela época. O diretor Norman Jewison, que mais tarde faria a obra-prima Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roof, 1971), mistura as duas tramas – a policial e a social – de maneira orgânica, em um seguro trabalhado de direção, principalmente no que concerne aos atores, que entregam grandes composições.

O enredo é simples: em uma pequena cidade do Mississipi, um importante empresário é assassinado e, por puro preconceito, Virgil Tibbs (Sidney Poitier) é preso devido a cor de sua pele. Tratado como lixo pelos oficiais de polícia, o homem deixa todos incomodados e constrangidos ao revelar que é um detetive especialista em homicídios. O roteiro não perde tempo e logo de cara expõe as mazelas do preconceito que, naquela época, ainda era fortemente enraizado na cultura norte-americana – na verdade, persiste até hoje, mas em escala menor.

Assim, o descriminado passa a esbanjar inteligência e também capacidade quando é solicitado para auxiliar na investigação do caso, já que as técnicas de apuração de crime utilizadas na cidade são provincianas, feitas praticamente pelo achismo. O chefe de polícia Bill Gillespie é obrigado a desconstruir seu preconceito a cada situação em que percebe a qualidade de Virgil, mas reluta em aceitar a superioridade de um negro, o que acaba sendo obrigado a fazer.

A relação dos dois nunca sai do nível profissional, mas isso não impede que Gillespie possa ver o rapaz com outros olhos, a ponto de zelar por sua vida com a evidência de que poderia ser perseguido e morto por moradores locais descontentes com seu trabalho (leia-se: descontentes com a cor de sua pele). O preconceito na região do Mississipi é historicamente forte, basta lembrar de outros filmes como Mississipi em Chamas (Mississippi Burning, 1988), que mostra o estado como berço da Klu Klux Klan, organização que pregava a supremacia branca por meio de atentados contra os negros.

Em relação aos personagens, o roteiro e a direção de Jewison fazem questão de desenhar Virgil como um homem calmo, e às vezes irritantemente passivo frente aos desaforos que ouve, mas ao mesmo tempo capaz de devolver a bofetada que recebe de um branco, algo impensável para a época. E, claro, Virgil, apesar de suas qualidades como investigador, não é blindado contra erros e também se deixa levar por ideias pré-concebidas. Como é possível concluir, o preconceito tem como consequência o erro.

Já o chefe de polícia vivido por Rod Steiger compõe um estilo conservador e preguiçoso, características compreensíveis, mas pouco aceitáveis, dentro da realidade daquela pequena cidade do Mississipi na década de 60. Recompensado com o Oscar, Rod Steiger incorpora estilo e maneirismos de fala dos moradores da região.    

No Calor da Noite funciona como suspense investigativo acerca do crime cometido, e o desenrolar da trama sempre traz novos elementos para a investigação de forma a seguir uma linha narrativa clara. Bom, dentro desse universo policial, o longa se sobressai graças à sua subtrama social. Se atualmente muito do comportamento mostrado é considerado inaceitável, o mesmo não ocorria na época.

E como cinema também é tempo, No Calor da Noite fica ainda melhor se colocado dentro de seu contexto histórico, em um ano que o principal expoente da luta por essa igualdade morreu e que este filme levou o prêmio máximo da Academia norte-americana ao concorrer contra outro enredo de forte crítica social, Adivinhe Quem Vem Para Jantar (Guess Who's Coming to Dinner, 1967) - tão bom quanto. Venceu esse, mas o que prevaleceu de fato foi o recado.

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