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Críticas

Cineplayers

A força do filme reside nas boas interpretações e desenvolvimento cuidadoso dos personagens.

7,0

Quem for assistir ao novo trabalho do diretor Paul Haggis e conhecer de antemão apenas a sinopse, quase que certamente vai se sentir pouco motivado. À primeira vista, trata-se de mais um drama sobre soldados na Guerra do Iraque, conflito que está em plena atividade enquanto escrevo este texto. Após o sucesso crítico de seu Crash – No Limite (pessoalmente, tenho uma palavra simples para definir aquele filme: “clichê”), conseguiria Haggis manter ou ratificar o respeito adquirido com aquele filme? O desafio não é pequeno, visto que os prêmios que ele conquistou foram muitos. Ainda é cedo para dizer se Haggis será um grande diretor (apesar de já estar manjado em Hollywood, é apenas seu segundo filme relevante na função), mas No Vale das Sombras certamente faz com que um alerta de “boa qualidade” esteja ligado para seus próximos trabalhos.

A história é sobre um pai desesperado que vai atrás dos culpados por cometerem um bárbaro crime com seu filho perto de uma base militar dias após ele ter retornado do Iraque. É interessante que o filme pode ser visto sob dois focos distintos: (1) como um drama familiar – o pai desesperado em busca de informações que venham a elucidar os acontecimentos com seu filho ou (2) uma análise com tom político sobre a situação dos Estados Unidos e das tropas que estão “batalhando” pelo país em terreno estrangeiro. O filme é relativamente ousado neste aspecto, ao incluir sub-temas variados como os maus tratos que alguns soldados exercem sobre os iraquianos, tratando-os muitas vezes como lixo humano. A cena final, particularmente, é bem enfática em relação à posição do diretor sobre o conflito, tanto que gerou críticas nervosas por parte do público, sobretudo o norte-americano.

Entre um foco ou outro, e apesar da crítica política apurada, o filme é muito mais rico e interessante se visto como um drama familiar. Carregado com força por Tommy Lee Jones, No Vale das Sombras tem como destaque principal justamente as interpretações de seu elenco. Susan Sarandon, a mãe, aparece apenas em duas ou três cenas, e por mais emotivas e competentes que estas sejam, a atriz simplesmente não está na tela o tempo suficiente para fazer com que sua personagem possa ser considerada marcante de alguma forma. Uma montagem mais enxuta poderia mesmo tê-la mantido totalmente fora do corte final. Já Charlize Theron aparece quase irreconhecível, morena e sem a maquiagem exagerada habitual, mas sua personagem é muito interessante, por ter uma curva de desenvolvimento rica dentro do filme: começa como uma policial quase incompetente e aborrecida (realmente não dá para simpatizar com a personagem após suas primeiras cenas) e termina como a grande força feminina dentro do elenco.

O roteiro é cuidadoso ao não criar ou evitar estereótipos: o pai aparenta querer vingança, mas no fundo ele sabe que ninguém – e isso inclui o seu próprio filho – está livre de pecados. O único ponto negativo do roteiro acaba ficando com seu tom fortemente manipulador: há cenas em que fica claro a intenção de chocar e/ou emocionar o espectador. Quem conhece o trabalho anterior do diretor ou mesmo seus trabalhos recentes como roteirista (A Conquista da Honra, por exemplo) já está avisado de antemão dessa sua característica. Ainda assim a força das interpretações, sobretudo Tommy Lee Jones (que conseguiu uma indicação de melhor ator no Oscar de 2008 por seu trabalho aqui), sobrepõem-se a essa característica negativa, funcionando como uma espécie de redenção do roteiro.

No Vale das Sombras (o nome vem de uma passagem bíblica muito bonita) é um trabalho muito competente. Nem citei ainda a fotografia belíssima, que torna as duas horas de filme agradabilíssimas de se acompanhar, mesmo com o tema trágico. Se for visto como um filme político, perde bastante de sua força, porque é simplesmente muito fácil criticar o que a administração de Bush vem fazendo no Oriente Médio. E é importante destacar que o filme também não pode ser encarado como um thriller policial ordinário: o cuidado em desenvolver os personagens torna os acontecimentos lentos, exigindo um pouco de boa vontade do espectador. Boa vontade recompensada com belíssimas interpretações e desenvolvimento realista e coerente de uma tragédia pessoal, algo raro em Hollywood: não há super detetives aqui, apenas pessoas desesperadas em colocar as coisas no lugar, mesmo que isso doa um bocado nelas.

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