Existem alguns gêneros cinematográficos que foram “morrendo” ao longo dos anos, pelas mais diversas razões, e que vez por outra são ressuscitados por cineastas para alguma releitura ou mesmo tentativa de adaptação para contextos mais contemporâneos. O faroeste, por exemplo, fez sucesso absoluto no cinema americano até meados dos anos 1960, quando foi entrando em declínio de popularidade e praticamente sumiu. Porém, de tempos em tempos, há sempre algum cineasta se arriscando com alguns conceitos, estruturas e estilo herdados pelos faroestes, fora os que de fato o abraçam por inteiro, como recentemente fez Quentin Tarantino. No entanto, até o momento, nenhum cineasta ousou mexer com aquele que talvez tenha sido o gênero mais complicado de se atualizar e tornar comercialmente viável para o público de hoje: o épico bíblico.
Claro que houve diretores que dirigiram épicos bíblicos depois que o gênero deu uma sumida, mas nenhum com tanto senso de espetáculo e delírio de grandeza como Darren Aronofsky em Noé (Noah, 2014). Afinal, os antigos épicos baseados em relatos bíblicos, a exemplo de Sansão e Dalila (Samson and Delilah, 1949) e Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), ambos de Cecil B. DeMille, tinham todos essa característica de superprodução, e precisaram de um gordo orçamento para ganhar a atenção do público. Aronofsky, uma vez tendo conseguido a credibilidade que tanto lutou para ter, escolheu justamente uma das histórias mais megalônomas da Bíblia, em que Deus ordena a Noé (vivido por Russell Crowe) e sua família que construam uma arca para abrigar todos os animais e pessoas dispostas a aceitar seus mandamentos, antes que um dilúvio de proporções globais engula todo o planeta.
Dada a verba concedida para que Aronofsky filmasse uma história desse porte, não chega a ser o mais importante notar a grandiosidade das sequências de ação, mas sim entender a abordagem que ele faz da história bíblica, agora que adentrou em um terreno que hoje é muito mais difícil transitar do que há 60 anos. Tão difícil, que ninguém sabia exatamente o que esperar do filme. A maioria dos espectadores – fãs, não fãs, indiferentes, e desconhecedores de Aronofsky – não conseguiram sequer medir uma expectativa para Noé. As perguntas foram muitas: será um filme de teor religioso? Questionará a existência ou inexistência de Deus? Será ou não fiel ao relato bíblico? Como vai conciliar o respeito pelos que acreditam na veracidade da Bíblia com os que consideram o relato apenas uma história fantasiosa? As dúvidas foram tantas que o diretor precisou ir até o Vaticano para pedir concessões ao Papa para filmar a história à sua maneira, sem seguir à risca o que a Bíblia diz.
Pois bem, a intenção do diretor foi alcançada, pois seu olhar ateu sobre tudo isso é só questionamento. Ele jamais se propõe a responder qualquer uma dessas questões, apenas junta um amontoado de ideias e reescreve o relato segundo seu olhar de cineasta, não disposto a tomar qualquer lado que seja. O Noé de Aronofsky acaba, por fim, sendo fiel somente ao que qualquer blockbuster se propõe: entreter. Portanto, não é de estranhar que seu relato misture criacionismo a evolucionismo, recorra ao apócrifo livro de Enoque e tire de lá um vilão que se contraponha à figura heróica de Noé, fora uns monstrengos de pedra que tocam o terror, jogue Matusalém (Anthony Hopkins) no meio da salada (sendo que na Bíblia não há relatos da convivência entre os dois), insira uma mensagem ambientalista e interprete as escrituras sagradas conforme suas ideias pessoais. Mesmo o personagem principal acaba se encaixando no perfil de outros protagonistas do cineasta, que luta contra tudo e contra todos, inclusive contra suas próprias convicções, para chegar ao seu objetivo, tal qual a bailarina obcecada pela perfeição em Cisne Negro (Black Swan, 2010), o incansável pugilista de O Lutador (The Wrestler, 2008), e o matemático obstinado de Pi (idem, 1998). Assim sendo, a relação de Noé com Deus se mostra a abordagem mais dúbia e arriscada da produção, já que, nas entrelinhas, se pressupõe que o homem jamais entende e verdadeiramente apóia o plano divino de executar a humanidade – apenas obedece, talvez por uma questão de puro instinto de sobrevivência, talvez pela inabalável fé.
E para sustentar tamanha miscelânea de ideias, ele recorre à pura aventura cinematográfica, que se perde lá pelas tantas, mas que o tempo todo busca tirar o fôlego da plateia (a arca em si foi de fato construída dentro das medidas especificadas pela Bíblia, o que torna tudo muito mais atraente). Se em algum momento nesse longo caminho de duas horas e meia há alguma procura por verdades, tudo acaba sendo literalmente engolido pelas águas do dilúvio, inclusive o próprio Aronofsky. Acertando muito mais quando aposta no puro entretenimento, e dando umas patinadas quando tenta de alguma forma ir um pouco além (como sempre patina, vide Fonte da Vida [The Fountain, 2006]), o diretor acaba provando que seu forte é o cinema pipoca. Ambição ele tem de sobra para tocar esse tipo de cinema, e ao conseguir ressuscitar esse conceito de filme bíblico, adaptá-lo e torná-lo comercialmente viável para um público que hoje é tão mais desconfiado e cético, Aronofsky enfim parece ter se encontrado ali no meio daquela arca em polvorosa.
Filme fraco. Não esperava uma leitura fiel do relato bíblico, mas também não precisava inventar tanta moda, como se fosse pra justificar mais de 2 horas de filme. Ficou tudo relativista demais.
Do ponto de vista das atuações, Crowe defende bem o papel e é de longe o mais interessante em cena.
Quanto à crítica está bem escrita e discordo de poucos pontos, como a sugestão discreta de alguns parágrafos sobre a possibilidade de tudo ser apenas alegórico na passagem de Noé - creio inteiramente na Bíblia.
filme pipoca? Você já viu Pi e Réquiem para um sonho?
O pior inimigo do Aronofsky não foi a ambição do projeto e os prováveis limites que o estúdio impôs, e sim o público a espera de uma velha novela religiosa - ateus que não conhecem o diretor jamais assistirão.
Filme lixo!! Já nao esperava fidelidade com a Bíblia, mas nem entreter o Diretor conseguiu, e olha que tinha um elenco de estrelas (Crowe, Hopkins ect).
Épico bíblico no nível de BenHur e Dez Mandamentos....vai demorar...