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Críticas

Cineplayers

Exagero assumido.

6,5
Albert Dupontel começou sua carreira na França como comediante stand-up. Após conseguir uma indicação no César por melhor coadjuvante por A Self Made Hero, estreou na direção com Bernie, que logo de cara ganhou o Grande Prêmio no festival japonês de Yubari. Desde então, atuou no infame Irreversível, de Gaspar Noé e dirigiu (e atuou) em mais seis longas desde então, sendo o último deles o melodrama farsesco (ou farsa melodramática) Nos Vemos no Paraíso

Ambientado na Paris dos anos 20, um dos símbolos dos “Roaring Twenties”, época de grande fervor cultural e consumista onde horrores e dores da primeira guerra eram expurgadas e exorcizadas em uma maratona de luxo, festa e ostentação sem fim, Dupontel abusa da plasticidade da caricatura tanto na construção da misé-en-scene quanto na composição de seu personagem Albert Maillard, um veterano de guerra que tem de tomar conta de Edouard Péricourt, seu bem-nascido porém desfigurado companheiro de pelotão dado como morto por escolha própria. Ambos armam uma fraude de participar do concurso de estátuas do pai do último, vencendo sem entregar o resultado final. Ainda os acossam a família Pericourt, pai e irmã, que buscam lidar com o luto, e Pradelle, galanteador e corrupto ex-oficial do exército.

Dupontel não tem meias medidas, e o que no início parece ser uma espécie de Golpe de Mestre francês logo é contagiado pelo pesado drama de Edouard e seu rosto deformado (perdeu o queixo) e sua válvula de escape, esculpir belas máscaras que revelam seu interior tão sensível quanto perturbado. E da mesma forma caminha sem meias medidas para o clima de farsa, inserindo elementos como uma órfã, que acompanha a dupla e traduz todos os murmúrios do artista e demonstra os trambiques que Maillard, contador antes da guerra, promove no banco que começa a trabalhar. Narrado em forma de depoimento, não nutrir parcialidade é até difícil. 

Na relação dúbia entre Maillard e Péricourt que mora o ouro do filme: todos os outros personagens sofrem a maldição da unidimensionalidade, muitas vezes só tendo um único propósito na trama: a namorada de Maillard é só um interesse romântico sem personalidade ou desejos próprios, Pradelle começa escroque e termina escroque, a menina que acompanha a dupla é desenhada para ser na medida entre hilária e adorável. Niels Arestrup, de O Escafandro e a Borboleta e A Chave de Sarah é o único que, beneficiado pela escrita do roteiro, sai do personagem bem definido e sabe soar tão frio quanto arrependido, tão digno de ódio quanto de pena.

A mão pesada de Dupontel transita com pouca fluidez entre a lágrima e o riso, mas a forma estilizada com que conduz a história, lembrando em um nível superficial o Marcel Carné de O Boulevard do Crime ou Jean Epstein em A Queda da Casa de Usher, carregando as tintas na encenação, nos personagens saídos de sombras, nos horizontes de campo a perder de vista, nos travellings vistosos, a grande movimentação dentro do quadro, os closes expressivos, e até recorrendo a anacrônicas fusões e inserções. Um grande delírio visual, onde o exagero “flamboyant” dos cenários e figurinos também está injetado na direção - para o bem e para o mal. 

Talvez esses sejam tempos cínicos demais para não assistir desconfiado ou fechando um olho para o “maximalismo” (ou abandono total do minimalismo) de Dupontel. Ele valoriza a rica interação entre o mundano Maillard e o atormentado Edouard e a esquisita relação de lealdade e segredo que há entre eles. Não há um clímax para os dois, mas o desfecho para cada um. Mesmo o melhor coadjuvante é reduzido a acessório para completar a história, e personagens ganham o tempo todo razões esdrúxulas para fazer o que fazem mesmo sem devido aprofundamento. Famoso caso de “morder mais do que consegue mastigar”, Nos Vemos no Paraíso tem seus momentos de sensibilidade, mas no final das contas carece de refinamento. 

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