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Críticas

Cineplayers

Prova de que o cinema pode ser a melhor diversão sem abrir as pernas para comercialismos vulgares ou imbecis.

8,0

Outra boa atuação de dame Judi Dench no cinema, melhor filme do diretor inglês Richard Eyre (que já havia feito os ótimos Iris e A Bela do Palco), uma das melhores trilhas sonoras de Phillip Glass para o cinema (mesmo sabendo que ele está fez mais de 70 deles) e um bom trabalho de Cate Blanchett: Notas sobre um Escândalo é, com tamanho acúmulo de referências, é um dos melhores filme de 2006.

Trata-se de um suspense psicológico, bem interpretado, com roteiro esperto de Patrick Marber (autor da peça Perto Demais) e direção arguta, embalado pela marcante trilha do compositor minimalista americano e pela fotografia do aclamado Chris Menges (dois Oscar por trabalhos menores, A Missão e Os Gritos do Silêncio). Conta a história de duas mulheres enredadas, pela solidão de ambas, numa trama de patologia e sofrimento, incompreensões e maldades, que as fará mergulhar no poço escuro e fundo das duas – para citar a música do Chico. Um filme duro.

Sheba Hart (Blanchett) é a professora de arte novata numa escola barra-pesada dos subúrbios de Londres (“antes recolhíamos as revistas pornôs dos alunos, agora são facas e o crack, e chamam isso de progresso”). Atrapalhada, sem conseguir controlar a classe, é ajudada pela bruxa local, Barbara Covett (Dench), a cínica, ácida e perversa professora de história. Infeliz no casamento com Richard (Bill Nighy), Sheba acaba se envolvendo com um de seus alunos de 15 anos, Steven (o irlandês Andrew Simpson) – com direito a cena de limpar a boca de sêmen. São descobertos por Barbara, que vê na situação uma “maravilhosa oportunidade” de afinal ter uma amiga para a velhice, apavorada que estava com a idéia de terminar sozinha os seus últimos dias.

Se ambas já eram infelizes e solitárias antes, a vida torna-se um pesadelo. Barbara torna-se cada vez mais possessiva e ciumenta. Ao não atender a todas suas demandas, Barbara então espalha a notícia do assédio sexual para desgraçar a vida da outra. Só que, numa dessas reviravoltas da vida, acaba indo junto para o buraco – que ela não vê apenas como martírio. 

A Barbara de dame Judi Dench (dama desde 1998) está acabada, envelhecida, amarga, com uma horrenda tintura de cabelo, responsável pelo humor da trama (humor sarcástico, claro). Fica de longe secando o corpão de Cate Blanchett, sonhando em tocá-lo, até que um dia tenta se satisfazer, resultando num momento constrangedor. A combustão da duas em cena explode em ambientes fechados, claustrofóbicos, escuros - e música exasperante.

Richard Eyre é consagrado como um dos maiores diretores de teatro da Inglaterra hoje, formando com Stephen Daldry (Billy Elliot e As Horas) e Sam Mendes (Beleza Americana) a trinca que passou ao cinema com sucesso. Sua especialidade são os atores. Seu olhar mira o que há de pior no ser humano. Seus intérpretes estão sempre bons em cena, dando o melhor de si, quando não em raros momentos de felicidade. Em Notas, apoiado nos diálogos rápidos e ríspidos, leva os atores a darem o melhor de si.

Eyre está hoje tanto em Nova York quando em Londres com uma nova e elogiada versão do musical Mary Poppins (ingressos esgotados), além de monopolizar as boas críticas na remontagem do clássico de Henrik Ibsen Heddla Glaber, no West End londrino, exatamente com Bill Nighy. Eyre é diretor do Royal National Theatre, onde já dirigiu mais de 27 peças, algumas históricas, com os melhores atores da Inglaterra: As Bruxas de Salém, com Liam Neeson, Ponto de Vista, com Judi Dench (no Brasil, foi interpretada por Beatriz Segall), Richard III, com Iam McKellen, e Rei Lear, com Iam Holm. 

Baseado no livro What was she thinking: notes on a scandal, de Zoë Heller, ganhadora do Pulitzer e do Man Boker, o filme foi produzido pela dupla Scott Rudin e Robert Fox, que estão por trás do que há de melhor sendo feito nos últimos anos: Iris, As Horas, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, A Rainha, As Cinzas de Angela, Perto Demais e um longo etc. Rudin é um mago. Sozinho já venceu cinco prêmios Tony de melhor peça: o musical Passion, a magnífica Copenhagen, A Cabra – ou quem é Silvia (de Edward Albee), Dúvida e a melhor do ano passado, The History Boys, também vertida para o cinema. É um artista no seu auge. 

Se A Rainha vencer o Oscar, Rudin será o primeiro artista da história a vencer no mesmo ano o Tony e o Oscar. Um dos raros produtores a se dedicar, com sucessos, a filmes de orçamento médio de temática adulta, Rudin trouxe sua experiência no teatro para elevar o cinema de sua mediocridade atual – daí se destacar tanto em pouco tempo, dado o deserto atual. Suas contribuições, como este Notas sobre um Escândalo, mostram que dá sim para o cinema ser ainda a melhor diversão.

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