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Críticas

Cineplayers

Um olhar para uma Nova York cheia de fronteiras, carente de espaços.

6,0

Não foi exatamente o que eu esperava. A par da sinopse e munido das mais egoístas expectativas, acreditei que O Amor é Estranho seria um retrato muito mais potente sobre o individualismo metropolitano, as gaiolas de autoisolamento que nos trazem conforto, comodidade, familiaridade. O mais recente filme de Ira Sachs até toca paulatinamente nessas questões, mas com uma hesitação frustrante.

Mas também não é um filme que pretende falar abertamente sobre um romance homossexual, muito embora seja encabeçado por um casal gay. Alfred Molina e John LIthgow encarnam, em plena forma, os papéis de George e Ben, um casal que vive junto há quarenta anos e que decide se casar. George então é demitido de seu trabalho como professor em uma escola católica e os dois resolvem vender o apartamento em que moram para alocar um mais barato, afim de desafogar as despesas. Enquanto procuram por um apartamento, George ficará com um casal de vizinhos e Ben viverá na casa do sobrinho, dividindo quarto com o adolescente John.

O material de divulgação do filme dava conta de que a história giraria em torno de como a presença de George e Ben, em residências que não suas, criariam desconfortos tanto para ambos, quanto para quem estivesse oferecendo abrigo ao casal. Esse desconforto, porém, parece muito mais motivado por conveniência absurdista do que por qualquer outra coisa. A história carece fortemente de uma motivação autêntica para os dramas que desencadeia.

É louvável que Sachs crie um filme que trata a sexualidade dos envolvidos de maneira tão natural que ela não chega a ser muito mencionada – a sexualidade não é a geradora do desconforto, mas de fato a presença de George e Ben nos respectivos lares que, vale dizer, se ofereceram para recebe-los, por apenas algumas semanas. Não parece natural que que os donos dessas residências não procurariam alterar suas engessadas rotinas nem um pouco para criar um ambiente mais confortável para seus hóspedes.

Mas talvez seja esse exatamente o ponto. Partir dessa premissa absurda para olhar a cidade, a rotina e as pessoas como algo rígido, impessoal, desconexo. Na Nova York do filme, não há espaço físico para acomodar um casal discreto, educado, bem sucedido profissional e romanticamente; também não há empatia suficiente para auxiliar esse casal, sem que esse auxílio seja encarado como um estorvo, e não como uma benevolência.

Sob esse ponto de vista, assistir a George e Ben interagirem entre si, com dedicação e doçura, é um enorme alento diante de um filme repleto de personagens egoístas e autocentrados. Talvez por isso as cenas em que o casal esteja junto sejam tão raras. Não parece ser da vontade de Sachs que o filme seja confortável, ou doce, e isso, de fato, o diretor consegue.

Fico perdido, insisto, na questão que motiva os conflitos do filme. As explosões de raiva da família que hospeda Ben e a cegueira insensível do casal que hospeda George podem até soar coesos num plano racional de análise crítica, mas não se encaixam com destreza no filme, que também peca por encerrar com um dos personagens menos interessantes da história, o adolescente John, supostamente rendido pelo tio Ben, finalmente pronto para encontrar o amor, enquanto anda de skate ao lado de sua parceira em direção ao pôr-do-sol. Não sou muito afeto dessas escolhas dramáticas adocicadas, que tentam dar sentido a um mundo imperado pelo caos, que tentam dar significado e beleza à morte. Depois de castigar Nova York durante uma hora e meia, não vejo muito sentido em Sachs procurar nela alguma alegria, esperança, através do amor. Para sobreviver, o amor deve afastar-se dela, ou destruí-la por completo.

Comentários (1)

Abdias Terceiro | terça-feira, 13 de Janeiro de 2015 - 21:46

Ótimo texto.Em contrapartida a despeito da crítica, tenho
Boas expectativas.

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