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Críticas

Cineplayers

Uma comédia-enigma.

8,0
A primeira cena do filme de James Franco já mostra que, apesar da intensa pesquisa realizada pelo ator e diretor, ele jamais conseguiu desvendar o enigma Tommy Wiseau: durante uma aula de teatro em que Greg Sestero recebe pesadas críticas por uma atuação insegura e vacilante, uma figura oferece para uma performance de Um Bonde Chamado Desejo. A câmera o segue de costas, filma detalhes e se segura em mostrar o rosto… E o que se segue é um momento de puro embaraço, enquanto Wiseau se contorce gritando “Stella”. Olhares cruzados, risos amarelos… E o homem de longos cabelos e sotaque estranho vai embora, uma vez que tudo aquilo passa: ninguém sabe quem é, de onde veio, para onde está indo.

Tommy Wiseau tornou-se O Artista do Desastre do título ao escrever, produzir, dirigir e atuar em 2003 no filme The Room, que tornaria-se conhecido como o pior filme de todos os tempos. Dramalhão sem noção repleto de atuações exageradas, diálogos sem noção e uma história completamente incoerente, é a história do bem-sucedido Johnny e a dupla traição que sofre da esposa Lisa e o melhor amigo Mark. 

Sem contato nenhum na indústria e com um passado desconhecido, Wiseau tirou dinheiro sabe-se lá de onde para comprar equipamentos, contratar equipe e atores e produzir um filme orçado em alguns milhões de dólares. E o resto, como dizem, é história: tornou-se um filme evento dos midnight movies, com fãs da obra assistindo sessões trajados como seus personagens favoritos e gritando empolgados com os momentos mais icônicos.

E uma história que James Franco não entende, e por isso a coloca aos olhos de Dave Franco, que interpreta Greg Sestero, o ator que conheceu Tommy Wiseau, compartilhou sua paixão por James Dean e se mudou com o mesmo para Hollywood para ver se vingava no cinema. Sestero nunca soube várias informações mais básicas de Wiseau: seu país de origem, seu trabalho que financiava o filme, quantos anos tinha. Mas, por muito tempo, foi um dos maiores defensores do amigo e seu gênio tempestuoso - e mesmo após muitas brigas, ainda o é. Como o filme mostra, The Room foi a tentativa dos dois alcançarem notoriedade após várias recusas. 

O Artista do Desastre é um buddy movie tão esquisito e fascinante quanto a figura na qual se inspira. Enquanto Greg Sestero tenta levar uma vida normal, namorar, atuar em outros trabalhos, Tommy Wiseau cresce em sua megalomania no comando de The Room: maltrata e demite atores e equipe a torto e a direito, discute aos berros na frente de todos e performa Johnny à sua maneira peculiar, rindo de relatos sérios, filmando longas sequências de cenas que pouco significam para a trama, e contorcendo-se e gemendo de maneira grotesca para representar o sofrimento do alter-ego. 

Ninguém está entendendo nada e, entre os momentos desgastantes, a equipe conversa entre si sobre de onde Johnny tiraria dinheiro ou de onde teria tirado os personagens de The Room. E no final das contas, ninguém sabe de nada além do superficial: aquele estranho homem quer fazer cinema não importa como. 

Essa paixão é compartilhada por James Franco, que a certo ponto parece identificar-se com Wiseau. Conhecido por interpretar Harry Osborn em Homem-Aranha e o Doutor William Rodman em Planeta dos Macacos: A Origem, além de sua parceria com os membros do “clã Seth Rogen” em filmes como Segurando as Pontas, James Franco também investe pesado em produções independentes, já tendo dirigido e protagonizado uma das adaptações do clássico literário de William Faulkner O Som e a Fúria. Com diferentes resultados em seus muitos projetos pessoais, todos eles geralmente também transbordam o entusiasmo que vemos em O Artista do Desastre

Entusiasmo específico esse, é verdade; o espectador que procurar as respostas do enigma Wiseau irá se frustrar; boa parte de O Artista do Desastre se divide nos muito fragmentos da loucura do homem a quem frequentemente é sugerido em mais de uma cena interpretar um vilão, mas convence a si mesmo que está cercado de monstros e traidores. Como mostra a cena em que Tommy e Greg encenam no bar, os risos de estranheza não são capazes de parar Wiseau, nem sua falta de conhecimento cinematográfico e dramatúrgico elementar ou mesmo perder todos à sua volta - se ele quer fazer um filme, ele vai fazer um filme. Ponto final.

O Artista do Desastre não é um Ed Wood. Não possui nem de longe a mesma ambição estética neogótica de Tim Burton, a plasticidade dos travellings e a atuação tragicômica à beira do expressionismo. Se categorizar for o caso, é sim mais aproximado do que o próprio Franco, Seth Rogen, Judd Appatow, Danny McBride e outros nos entregaram desde o início da década de 2000: comédias principalmente verbais, onde até absurdos físicos tornam-se naturais frente à intensa troca de palavras. 

Todos lembramos desses momentos particulares, e aqui temos mais um deles: Wiseau nu em frente à equipe, irritado com as críticas; a câmera acostumada ao artista oculto da primeira cena balança, dá zoom, circula o ambiente, acompanha reações, pula de jump-cut em jump-cut. Sestero tenta intervir mas acaba tendo que gritar também. O refinamento do “clã Rogen” e suas comédias que primam pelo embaraço cria um filme orgulhosamente incapaz de entender seu protagonista além da motivação incontornável: todas as cenas voltam ao ponto inicial.

O charme de O Artista do Desastre é esse homem que queria notoriedade a qualquer custo. Se não conseguiu arrancar lágrimas e ao invés disso arrancou risos, para ele tanto fez. Dentro de sua mente megalomaníaca, chamou atenção o suficiente com um filme tão ruim que teve até que virar filme, com um dos mais singulares e excêntricos da nova geração mostrando que pode até ser um diretor bastante convencional, que pode até ser acusado de esquemático em sua narrativa visual, mas é um narrador no mínimo diferente para administrar de maneira dramática uma bizarrice tão hilária. E que encarna cada pequeno tique da figura original com uma devoção que só daqueles que amam cinema demais, seja bom ou ruim, conseguem transparecer.

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