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Críticas

Cineplayers

O caçador de sonhos.

5,0
A ideia de Steven Spielberg adaptar uma famosa história infantil do escritor Roald Dahl para o cinema trouxe uma expectativa incerta para o público. Ao mesmo tempo em que o diretor tem o tato para comandar filmes juvenis, suas soluções otimistas e ingênuas não batem com o tom sombrio dos livros de Dahl. O saldo final de O Bom Gigante Amigo (The BFG, 2016) confirma o que a maioria esperava: um filme morno, resultado de um Spielberg fora de forma e de uma história interessante subaproveitada. 

Na trama, a pequena órfã Sophie flagra da janela de seu orfanato um gigante transitando em plena madrugada pelas ruas de Londres. Agora descoberto, o grandalhão rapta a garota e a leva para a terra dos gigantes, a fim de preservar o segredo sobre sua existência. Nesse novo universo fantástico, os dois desenvolverão uma amizade e lutarão contra gigantes maldosos que raptam crianças para comer. Nomeado por Sophie de BFG, o gigante trabalha como uma espécie de disseminador de sonhos, fabricando eles em sua casa e depois os espalhando pelas ruas londrinas de acordo com sua vontade (seria Spielberg uma espécie de “gigante” da indústria cinematográfica que se vê no papel de semeador de sonhos assim como o bom gigante amigo?). Graças a um plano engenhoso da garota, BFG elabora um sonho preciso para convencer a rainha da Inglaterra a ajudá-lo na luta contra os gigantes malvados. 

Spielberg ignorou o fato de que no livro original a história se passa numa época indeterminada e ambienta tudo nos anos 1980, talvez como uma forma de resgate do seu cinema jovem oitentista que conquistou toda uma geração de crianças. Dentro desse período, a trama de O Bom Gigante Amigo esbarra na ingenuidade e simplicidade típica dos filmes da época e os anos Reagan ressuscitados aqui contribuem para um enredo familiar de Guerra Fria, repressão, culpa. Mesmo a história se passando em Londres, o diretor puxa um gancho pouco sutil ao mostrar o sonho que BFG fabrica para um menino inglês, em que o rapaz fica todo feliz ao ligar para o presidente do EUA e bater um papo com ele por horas, sentido-se assim mais seguro e confiante numa época de incertezas políticas. Meio deslocada, ainda mais para o público infantil de hoje, essa cena explica o interesse de Spielberg no projeto, e também explica porque ele fugiu tanto do contexto do livro original. 

Infelizmente, esse gancho que o diretor forçou com os anos Reagan como desculpa para homenagear o cinema jovem oitentista acabou apenas na teoria. Na prática acabou como um filme pastiche e perdido entre agradar a geração de trintões/quarentões e conquistar o público de hoje, sem uma linguagem universal capaz de se conectar com todos os públicos que tenta alcançar. Não há a verdadeira emoção de um E.T. - O Extraterrestre (E.T. The Extra-Terrestrial, 1982) ao abordar a solidão de Sophie e a doçura da amizade dela com um ser extraordinário assim como foi com Elliot e o ET, ou sequer a sensibilidade como tratou a questão de uma família incompleta. O que compensa é o visual estonteante e a direção sempre competente de Spielberg mesmo diante de um roteiro limitado. As sequencias que se passam na árvore dos sonhos são visualmente deslumbrantes, e compensam o peso morto e sem ritmo das cenas com os gigantes maus. O uso do CGI e do 3D também contam a favor, jamais excessivos ou sem alma. Bastava apenas um toque de autenticidade para todo o espetáculo de imagens regidas pelo cineasta fluírem naturalmente, a mesma falta que castigou As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne (The Adventures os Tintin: The Secret of the Unicorn, 2011). 

O Bom Gigante Amigo é mais uma analogia lúdica e mágica sobre a solidão presente na infância, uma alegoria que retrata os universos paralelos criados pelas crianças como via de escape quando diante de uma realidade triste e solitária, tal quais clássicos como A História Sem Fim (Die Unendliche Geschichte, 1984), Meu Amigo Totoro (Tonari no Totoro, 1988) e até Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, 2009). Poderia ser um filme emocionante e inesquecível se dirigido pelo Spielberg sensível e criativo dos anos 1980, mas por mais que o diretor tenha tentado resgatar esse seu lado, o resultado é um filme comandado por alguém que, em algum momento ao longo dos anos, cresceu e deixou de pensar, sentir e sonhar como uma criança. 

Comentários (1)

Alexandre Koball | sexta-feira, 19 de Agosto de 2016 - 15:48

Spielberg bugou! Mas tudo bem, ele tá com crédito!

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