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Críticas

Cineplayers

Sentimentalismo barato para as massas.

4,5

O Caçador de Pipas traz um enredo sem foco e óbvio, que apenas funciona para seduzir e entreter as massas com um ar de folhetim. Contando a história da amizade de dois garotos, separados por um ato de covardia, o filme tem dois momentos distintos. O primeiro é a construção da relação entre os meninos e a ambientação em um Afeganistão do fim dos anos 70. O outro é depois que um dos garotos foi para a América: sua vida por lá é mostrada até o momento em que ele tem de retornar.

O principal elemento negativo da produção é o roteiro: óbvio, ingênuo, pretensamente apelativo. Não consegue atingir o nível de comoção a que se propõe, não consegue fazer um retrato válido do Afeganistão em guerra, não consegue definir ao certo a história que quer contar. Além disso, há diálogos que assustam pela pobreza e pelo excesso de clichês. Isso se dá, por exemplo, em várias falas do pai de Amir (“Os talibãs são tão maus quanto falam?”). 

Do ponto de vista ideológico, o filme também peca: dá a entender que o Afeganistão era um paraíso antes da invasão russa (e, claro, do domínio dos talibãs), com crianças felizes brincando de pipas e pouca ou nenhuma tensão política. Depois, o paraíso é a América, onde o personagem vive feliz e em harmonia com os seus, sem sofrer qualquer forma de preconceito, sem se sentir deslocado em uma cultura tão diferente da sua. No filme, os Estados Unidos são como se fosse um Afeganistão sem talibãs. Até a brincadeira de pipas é mostrada da mesma forma, tentando fazer um paralelo e colocando similaridade em passar a infância nos dois países. 

O elenco é outro ponto que compromete. Talvez seja possível dizer que, de todos que aparecem na tela, o único que se salva é o jovem Hassan, num excelente desempenho infantil. A outra criança (Amir) é pouco expressiva, quem o representa mais velho também o é, mas o pior é seu pai, pouquíssimo à vontade na tela, que não passa emoção mesmo nos momentos em que se apela a isso. Para funcionar um filme que só tem como objetivo fazer a platéia chorar com um melodrama pouco criativo, seria fundamental apoiar-se em um elenco caprichado, que pudesse ao menos maquiar as fraquezas da história e dar mais intensidade aos momentos dramáticos. No entanto, a falta de vigor dramático é constante; em algumas situações, apenas por aliviar a tensão, demonstrando falta de coragem (como no ato de violência contra o menino). Em outras, por soar tão artificial e asséptico que é impossível se compadecer do sofrimento dos personagens (como na cena do resgate no Afeganistão).

Aí vem mais uma questão pertinente: o filme sofre da falta de foco. Talvez, se ele se assumisse claramente folhetinesco, pudesse ter mais qualidade fazendo melodrama para valer. Mas parece querer ser filme sério, pretensioso, e os momentos “novela mexicana” só podem ser interpretados como escorregões da produção, tese comprovada pelo final ultrafeliz e artificial ao extremo. Tudo que um filme desse gênero não poderia ter se quisesse ser autêntico: um final em que tudo fica bem e o personagem, aparentemente, livra-se de toda a culpa e a dor pelo que passou – “é possível ser bom outra vez”. Mas, na verdade, parece que aquilo tudo nunca o tocou mesmo. 

É preciso dizer, no entanto, que nem tudo são chagas em O Caçador de Pipas. A primeira parte do filme tem bons momentos, e a construção da amizade dos garotos é bem articulada. Além disso, a composição visual é muito bem feita – talvez demais até, o que deixa o filme “limpo” e “claro”, quando o ideal seria ter um tom mais escuro para intensificar o drama, o medo, a culpa. É essa indecisão conceitual que permeia a produção; e o que sobra, assim, é apenas sentimentalismo barato para as massas.

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