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Críticas

Cineplayers

Lente de aumento.

6,0
Diretora, roteirista e atriz conhecida por Marselha (2004), Angela Schanelec está na ativa desde a década de 90 e construiu um cinema muito particular e à parte das grandes agitações cinematográficas: longe das grandes provocações que arrebatam prêmios, burburinho e controvérsia, seus filmes lançados de tantos em tantos anos continuam mais do que característicos e alheios às grandes ambições, filmando vidas e jornadas frustradas com seu olhar contemplativo inalterável.

É o caso de O Caminho dos Sonhos, que reforça a comparação admitida com a maior influência de Schanelec, Robert Bresson. O diretor de filmes como O Batedor de Carteiras e A Grande Testemunha marcou a história do seu cinema com seu estilo lento, repleto de situações de caráter observativo e atuações pouco compostas, algo que se vê muito nessa história envolvendo as relações entre um casal de músicos de rua formado por uma violonista sonhadora e um cantor viciado em heroína, que se separa quando a mãe do homem sofre um acidente. Ao mesmo tempo, é explorada a sua relação remota e espelhada na figura de uma atriz e um antropologista casados há décadas em vias de separar.

Schanelec está menos interessada na psicologização da história e mais nos instantes capturados, nas pequenas expressões dos atores. A impressão é reforçada por muitos planos captarem os personagens que conhecemos a vida mas que não possuem relação entre si de maneira aberta e impessoal, como em lugares públicos onde estão cruzado por acaso. Cada um está em um momento da vida e jamais conhece o outro. Mas nós sim, e somos obrigados a participar de suas intimidades os vendo chorar, resmungar, ajudar e cortarem laços uns com os outros. 

Para a câmera de Schanelec, que recorta e amplia a realidade objetiva, não há coisa como anonimato pois cada vida é única. Os planos gerais generalizam seus personagens e os tornam desconhecidos na mesma medida que seus planos individuais revelam seus demônios interiores, seus ritos pessoais, suas esperanças e sua maneira de lidar com a vida. E praticamente sem diálogos: o silêncio predominante do campo diegético acompanha seus personagens de uma forma narrativa que nos compete inferir que sentimentos estão em ebulição ali. Acompanhado, um personagem pode ver a mãe acidentada com um rosto vazio e na sequência seguinte irá chorar copiosamente enquanto almoça. Tudo em um terreno atmosférico de enquadramento, luz e som distante e árido.

Se há um problema no filme é justamente sua falta de foco narrativo. As histórias começam, se desenvolvem, mudam de personagens e são retomadas com pouca clareza da encenação. Muitas cenas, nesse sentido, parecem despropositadas, bem como as elipses falham em costurar uma história, parecendo na maior parte do tempo apenas uma longa repetição de movimentações cotidianas sem muito propósito. 

O problema a ser encarado é o quão bem o filme consegue executar sua proposta: se era para cair no terreno do puro abstracionismo, das imagens ligadas a um tema mas não narrativamente, aí poderíamos analisar o filme por outro viés. Mas não é o caso, o filme realmente conta uma história com início, meio e um fim muitas vezes amargo para seus personagens.

Nesse ínterim, pode-se argumentar que uma história elíptica não precisa, necessariamente, dar todas as respostas aos seus espectadores e guiá-los pela mão. Mas há de haver um mínimo de coesão, entender o que está sendo falado, e interromper dramas para focalizar grupos totalmente novos de pessoas - como a rotina do filho do casal divorciado, nadando em um clube junto com amigos e se acidentando em casa. Mostrada como a personagem mais empática do elenco, é a única personagem que vai e volta da trama de uma maneira mais satisfatória, explorando limites com os amigos e em casa e vendo no que seus pais transformaram, no único arco que ajuda a fortalecer o simbolismo do choque entre a questão do sonho versus realidade, a distância entre o que deseja e o que se tem.

No todo, a forma de O Caminho dos Sonhos é consistente, fruto de um cinema extremamente pessoal, um distanciamento do realismo pesado e mais uma exploração dos silêncios do drama de cada pessoa que vemos na rua e julgamos ordinária. É algo positivo que um filme assim chegue aqui, ainda que imperfeito, mostrando ser fruto de uma carreira discreta e um trabalho quase artesanal. Definitivamente uma experiência.

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