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Críticas

Cineplayers

Mesmo sendo um drama sobre questões familiares pendentes, a parte técnica e as atuações contribuem para diferenciá-lo no largo grupo de filmes sobre famílias disfuncionais.

8,0

Há nove meses Kim (Anne Hathaway) está internada para reabilitar-se de seus problemas com álcool, quando recebe alguns dias de alta para visitar a família e prestigiar o casamento de sua irmã Rachel (Rosemarie DeWitt). Visto assim, O Casamento de Rachel pode parecer vinculado a filmes como Casamento Grego ou O Casamento de Muriel em que famílias neuróticas e noivas enlouquecidas passam por vários contratempos no caminho até o altar, mas não é verdade.

Apesar do título, a história se constrói a partir do retorno de Kim à casa do pai, Paul (Bill Irwin), que se demonstra extremamente zeloso com a filha devido a seu estado de recuperação, causando assim os ciúmes da noiva e trazendo à tona uma série de discussões e pequenas maldades partindo de Rachel, que pelo menos no dia de seu casamento gostaria de ser o centro das atenções.

Roteirizado pela filha do diretor Sidney Lumet (em quem, segundo dizem, foi inspirada a cena da ‘disputa na lavadora de louça’), Jenny Lumet constrói diálogos rápidos e naturais muito cabíveis em uma relação familiar que sabemos íntima e terrível ao mesmo tempo. Como nos mostra a primeira cena entre Kim e Rachel, que apesar da saudade e da cumplicidade demonstrada numa história que as duas contam em conjunto, não deixam de se alfinetar. Há ainda outra complicação nesta história: a ausência/presença da mãe das meninas, Abby  (interpretada por uma belíssima Debra Winger) que em sua primeira aparição, no jantar de ensaio para o casamento, denota bem a aura de mito em que ela é colocada pelas filhas e, principalmente, o seu descaso aparente com ambas.

Outro fator de interessância é a fotografia de Declan Quinn, que no estilo câmera trêmula na mão aliada a cortes secos dá o tom de gravação familiar, aumentando também o grau de intimidade do espectador com os personagens, como nas cenas em que os vemos solitários e alheios em pensamentos que podemos adivinhar quais sejam. A fotografia segue tanto essa linha íntima que, durante uma briga ou situação constrangedora, busca o close justamente do personagem que mais se veria atingido ou chateado pelo desenrolar das circunstâncias, nesse ponto lembrando o uso da câmera no divertido seriado de TV 'The Office', conhecido por procurar sempre o rosto do personagem Jim Halpert nos momentos mais absurdos dos outros personagens, passando a impressão de reação natural ou ainda de cumplicidade quando identificamos nele a perplexidade que a cena/diálogo quer passar.

A trilha sonora merece comentários pelo inusitado bem encaixado: numa casa em pleno ritmo de preparativos para a festa, um grupo de músicos preenche os espaços com música, às vezes em conjunto, às vezes em solos e o que percebemos é a naturalidade de uma banda afinando seus instrumentos e ensaiando seu número ao mesmo tempo em que a família também faz seus ajustes para o grande dia. O resultado não podia ser mais interessante, até mesmo quando na cena de maior intensidade dramática alguém os pede pra dar um tempo nos ensaios.

Se são estes detalhes que salvam a película de repetições comuns nos filmes sobre casamentos, a composição do elenco pareceu mais uma proposta para sair do usual, pois o que se costuma ver em filmes sobre famílias são coadjuvantes que seguem a mesma linha étnica e social dos anfitriões, estereotipando ao máximo os tipos ou  incluindo personagens caricatos como a avó surda e o tio alcoólatra. No casamento de Rachel todos são diferentes, uns modernos e outros caipiras, uns mais bonitos e outros nem tanto e entre asiáticos e passistas de samba brasileiras, a festa é toda em estilo indiano e conta com a apresentação de uma rapper negra, estilo Afrika Bambaataa.

Com a frágil e insegura Kim, Anne Hathaway recebe sua primeira indicação ao Oscar, atravessando o filme literalmente como uma bêbada que não consegue saber que lugar tomar nessa família que a exclui e a culpa por uma perda irreparável. Precisando mostrar-se sadia e integrada, ela fica entre não conseguir e ser impedida de tomar seu lugar como filha, irmã e mulher.

Com uma direção sensível e bem colocada, Jonathan Demme conduz esse filme que mais parece um dia ruim, comum em qualquer família, com direito a muita histeria e desentendimentos fúteis, mas também muitas demonstrações de carinho, numa história que emociona porque você vai se sentir dentro dela.

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