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Críticas

Cineplayers

Um cineasta mentiroso e seu filme sobre a mentira.

3,5

Hollywood deveria desconfiar sempre de “garotos prodigiosos” em seu meio. O Cinema deveria se manter com um pé atrás a cada vez que alguém aparecesse com um filme “novo” no circuito. Em 1989, Steven Soderbergh apareceu no cinema, ganhou Cannes, foi pro Oscar, recebeu abraços e elogios por seu Sexo, mentiras e videotape (um desses filmes que envelhecem muito mal). Parecia mesmo ser uma grande promessa, um respiro de ar novo em meio ao “mais do mesmo” predominante na década de 80. Ao longo dos anos seguintes, Soderbergh fez cinemão mainstream, decidiu alternar com cineminha independente, como se fosse alguém capaz de ser duas coisas ao mesmo tempo. Mais grave que isso, como se fosse capaz de ser um diretor. Steven Soderbergh é um mentiroso. De tal modo parece coerente ele realizar O Desinformante, um filme sobre uma grande mentira, mentira quase tão grande quanto o cinema desenvolvido por ele.

Do engajamento político-social de esquerda de Traffic e Che (em meio a muita bobagem, uma imagem que se diferencia, de certo modo, para se colocar como arte), aos elogios grandiosos ao charme do Rat Pack nos filmes de Danny Ocean, Soderbergh fez também filmes intimistas, menores, como se quisesse manter um pé na realidade de produção, fora dos limites de Hollywood. Cometeu coisas ofensivas, como Full Frontal, e outras melhores como Bubble - Uma Nova Experiência. Irresistível Paixão parece um filho estranho na filmografia do cineasta, pois é um filme inteiramente bom. Portanto, onde fica possível estabelecer uma melhor ligação entre este filme atual (o 4º dele lançado este ano, no Brasil) e o passado soderberghiano é mesmo em Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento.

Tanto no filme de 2000 quanto no atual, Soderbergh se baseia em um material real para construir sua ficção. Tanto naquele quanto neste filme, ele busca a simpatia do público através do humor. E, principalmente, ele almeja que o público se entregue ao filme graças ao bom relacionamento do mesmo com os personagens principais, os biografados / romantizados do diretor. A diferença entre os dois casos é que em Erin Brockovich existia a figura de Julia Roberts, sendo Julia Roberts e sua persona cinematográfica ganhando os holofotes de atenção dos espectadores. Neste existe Matt Damon, caracterizado para ser diferente, se esforçando para ser simpático, bonzinho (mesmo quando descobrirmos gradativamente sua personalidade real), inocente e falhando miseravelmente em todos os quesitos. Não somente Damon, que nem é melhor ou pior ator que Roberts, mas Soderbergh, pior diretor que nunca. Em O Desinformante nada bate, desde as informações dadas pelo personagem principal, à construção caótica dos elementos narrativos por parte do diretor.

Existe no filme uma narração em primeira pessoa que supostamente tenta passar a idéia de ser um eu-lírico do protagonista, o diretor da ADM Mark Whitacre, mas que na verdade só serve para inundar a tela com um falatório imbecil e sem fundamento. Se a cabeça de Whitacre é confusa por ser incapaz de determinar a dimensão da realidade na qual vive, a narração só consegue excluir o público de qualquer proximidade ou entendimento da situação retratada. Soderbergh une à narração uma trilha sonora com propósitos irônicos, que acaba funcionando na primeira ou na segunda vez, mas que se torna insuportavelmente arrogante e repetitiva em sua 43ª utilização. Não existe embasamento narrativo, não existe fundamentação estética (o filme é fotografado pelo próprio Soderbergh, com uma luz chapada, em referência aos distantes anos 90, só que num jogo irrelevante de sombras que talvez quisesse remeter à idéia do noir), não existe fluidez na construção, que é o mínimo que se espera de uma obra cujo teor é investigativo – ainda que em caráter cômico.

O posicionamento imaginado por Mark Whitacre no filme, de que seria tido pela população americana como herói ao delatar um suposto cartel monopolizador de preços dentro da indústria agricultora, é reflexo da postura de Soderbergh diante do cinema que entrega às massas. Ele parece crer que cria algo perspicaz, ou que faz uma denuncia, ou que diverte ilimitavelmente (eventualmente, sim), ou que é belo, mas o máximo que consegue é ser completa e constantemente desinteressante. Se O Desinformante pretendia subverter uma idéia de espionagem levada mais a sério, deu a falta de sorte de ter sido feito depois de Queime Depois de Ler. E de não ser dirigido por Joel ou Ethan Coen. E por Steven Soderbergh ser, realmente, um mentiroso.

Comentários (3)

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 15:35

\"Deliciosamente satírico, o timing cômico é maravilhoso, e Mark Whitacre mostra-se um personagem brilhante.\"

Tô contigo Koball.

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