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Críticas

Cineplayers

Sang-soo observa a jornada do dia-a-dia.

8,0
Depois de uma sequência de sucessos - A Visitante Francesa, A Filha de Ninguém, Certo Agora, Errado Antes - Hong Sang-Soo transcendeu a aparência de autor-sensação do festival e soube se manter de forma relevante no cenário cinematográfico. Em 2017, foram nada menos que três filmes sendo lançados - A Câmera de Claire, Na Praia à Noite Sozinha e o filme em questão, O Dia Depois

Muito da análise de Na Praia à Noite Sozinha viria do fato que teria o inspirado: o diretor admitindo que teve um caso extraconjugal com Kim Min-hee, atriz de Na Praia à Noite Sozinha, e o divórcio vindo na sequência. Vendo o filme, é notória a trajetória sentimental da personagem Young-hee: o sentimento de abandono e solidão, a destituição de uma trajetória a ser seguida, a busca por consolo e por outras experiências em meio a amigos, conhecidos e colegas e a sensação constante que não há resposta certa agora que as certezas foram destituídas.

E há O Dia Depois, praticamente o contraste, ou se preferir, o espelho do filme anterior: filmado em preto e branco, o filme conta a história de Bongwan, um editor de livros covarde e infiel, em crise no casamento com a agressiva mulher e tendo de terminar o caso com sua emocional assistente. Seu dia-a-dia é de certa maneira alterado com a presença de Aerum (Kim Min-Hee), sua nova assistente de temperamento tranquilo e resoluto, cuja presença altera de maneira imperceptível as vidas do homem e das mulheres para sempre.

É curioso que Kim Min-hee iniciou sua parceria em Certo Agora, Errado Antes, um filme que conta a mesma história duas vezes mas seguindo caminhos diferentes em cada etapa, e agora a atriz apareça no mesmo ano como protagonista e coadjuvante de dois filmes que tratam do mesmo assunto - amor, infidelidade, término, solidão -, mas que não poderiam ser mais diferentes.

Ainda que Vocês e os Seus seja o mais explícito de Soo em narrar literalmente a história de doppëlganger, ou seja, de uma mulher e sua sósia, a questão das narrativas-espelho sempre esteve presente na obra do diretor, que sempre confrontou em seus blocos narrativos o bloco narrativo imediatamente anterior, que sempre repetiu informações para causar estranhamento e então puxar o tapete com suas variações. O Dia Depois conversa com os outros filmes do diretor do mesmo ano em tal questão, e dentro de si mesmo a questão da oposição está presente o tempo todo.

Trata-se de um espelho porque aqui não se trata de uma não-jornada, mas a sensação da jornada perpétua. Em Na Praia à Noite Sozinha, Young-Hee está só consigo mesma, sem saber o que fazer; em O Dia Depois, Bongwan praticamente nunca é visto sozinho, sempre sabe o que fazer, e é isso que o consome.

As variações, das mais dramáticas como o término até as que mais se assemelham às comédias de erros, como quando a esposa de Bongwan acha que Aerum na verdade seria a amante: preto e branco estourado, interiores, silêncios constrangedores, rompantes atordoantes e volta à rotina. Quase como se não houvesse escapatória para Bongwan.

Tal escapatória da rotina estaria, em tese, em Aerum. Mas surge a típica condução de cena de Sang-soo, sempre primando pela frustração: enquanto a câmera corta com panorâmicas e zooms, o protagonista não consegue responder uma coisa que seja, se está traindo ou se vai terminar com a amante, assim como não obtém resposta nenhuma, como o título do projeto que Aerum está. É importante notar nesse sentido que seus maiores diálogos são com a jovem, refletindo sobre o mundano, o mundo material e as crenças particulares. E por mais longas que sejam as conversas, há a sensação de que elas não chegam a lugar nenhum - ou ao menos, não da maneira que a típica narrativa iria.

Há certa tentação em perceber como as quatro pessoas que se envolvem parecem representar quatro instâncias para o protagonista nesta narrativa suspensa, perpétua e cíclica. A esposa Lee Chang-sook e a amante Song Hae-joo sempre agregam peso dramático para as cenas, indo, voltando, explodindo com o seu excesso de história e concretude com o protagonista. Bongwan é o vazio, a incompletude, o medo pela definição, o grande ponto de interrogação da história. Aerum, por sua vez, é um mar de possibilidades, de novas perspectivas, de uma relação nova, uma amizade tão profissional quanto informal e que não traz em si um componente íntimo ou sexual em seu compromisso.

É claro que, sendo um filme de Sang-soo, esse cinema nascido do contraste, os personagens entram em rota de colisão, e Bongwan entrelaça as visões pesadas de Lee e Song com a visão realista de Aerum. Um homem irresponsável afetivamente, que promete tudo para todos que pedem algo (contar a verdade, terminar com a esposa, conseguir um emprego), mas como é o típico habitante de não-lugares (bares, ruas, corredores, metrô) do cinema do diretor é incapaz de lidar com coisas concretas.

Após contemplar um futuro em aberto em Na Praia à Noite Sozinha, O Dia Depois é o olhar para o dia a dia; cada nova complicação fecha cada arco do filme com uma música sutil e melancólica que surge extradiegética, fora do filme, quebrando o realismo pretendido até então, abrindo uma conexão para a próxima cena. Sempre a mesma música, que leva sempre a um conflito parecido, fechando um ponto, chegando a outro semelhante, variando na repetição. Como uma rima, como um estribilho. O que vem no dia depois? O dia anterior, tão parecido quanto diferente. E compete a observadores como Sang-soo extrair o fantástico do extraordinário; sempre o mesmo, mas nunca o mesmo.

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