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Críticas

Cineplayers

Aspectos técnicos impactantes e uma narrativa que deixa a desejar.

7,0

Richard Ayoade tornou-se pessoa para mim em The I.T. Crowd, série britânica precursora do fenomeno geek The Big Bang Theory, interpretando Moss, um gênio da computação sem o menor trato social. O Moss de Ayoade é a grande estrela da comédia, e por isso Ayoade teve a oportunidade de repetir seu papel no fracassado remake americano que a NBC tentou emplacar.

Mas Ayoade chegou para o cinema mesmo em Submarine, depois de ter dirigido alguns shows e videoclipes, com especial destaque para sua colaboração usual com Alex Turner e os Arctic Monkeys. A trilha sonora de Submarine, inclusive, foi feita pelo vocalista da banda de Sheffield.

O londrino nasce, portanto, adjunto a uma cultura indie que rapidamente dissipou-se na inglaterra, e o seu debut com Submarine, um filme coming-of-age sobre um adolescente querendo perder a virgindade, sugeria que Ayoade se daria melhor na frente das câmeras, e não atrás delas.

Mas eis que temos O Duplo, lançado em 2013 na Inglaterra e em 2014 nos Estados Unidos, uma adaptação mais ou menos livre da novela homônima de Dostoiévski. Aqui, o diretor não tropeça tanto no vocabulário de imagens, faz um filme mais seguro, maduro e objetivo do que a bagunça grunge/indie de seu trabalho anterior.

Jesse Eisenberg interpreta Simon James, um funcionário desimportante à serviço de um governo proto-fascista em um futuro/passado distópico. Simon é solitário, tacanho e introvertido, uma presença praticamente invisível para as pessoas que estão à sua volta, e nutre uma paixão obsessiva/platônica por Hannah (Mia Wasikowska), uma garota jovem, pálida e bela, em um mundo repleto de tons escuros e pessoas idosas.

A rotina de Simon envolve trabalhar pragmaticamente em um emprego sem importância, visitar sua idosa e ranzinza mãe num asilo que mais lembra uma prisão, e passar as madrugadas espionando Hannah através de um telescópio. Essa rotina é quebrada quando Simon vê através do telescópio um homem se jogar de um prédio logo depois de gesticular um aceno para ele.

À princípio, o suicídio do estranho é apenas um fato isolado na rotina de Simon. É então que surge James Simon, um homem que é fisicamente idêntico ao protagonista, mas detém uma personalidade oposta. James é extrovertido, simpático, cativante. Todos os personagens envolvidos com a rotina de Simon ou o ignoravam ou de fato o desprezavam. Esses mesmos personagens, porém, são seduzidos por James, que pouco a pouco passa a tomar conta das pessoas e também da existência de Simon.

Ayoade articula aspectos da produção de forma a caracterizar de maneira explícita a ambientação da história. A arquitetura do filme parece mesclar elementos da arquitetura construtivista (soviética) com a cidade de Londres contemporânea. É o grande chamatriz de um filme tão pouco ocupado por pessoas. As paredes de cimento imundas se estendem pela tela, projetando repressão e melancolia para cima dos habitantes dessa cidade fantasmagórica.

O cimento é entrelaçado com o vidro, disposto nas janelas do condomínio onde vive Simon, sendo muito mais do que mero ornamento arquitetônico. Na cidade de O Duplo, não existe a luz do dia, de forma que o vidro seria dispensável (e de fato não há vidro em outros locais, como na empresa, nos salões e no metrô). As janelas tornam-se, portanto, extensão dos desejos de Simon: quando ele observa Hannah, é a obsessão platônica; quando ele observa o estranho se jogar, é a materialização de um desejo inconsciente, porém pulsante; e por último, o quando fita o seu duplo, o vidro torna-se espelho e Simon pode finalmente olhar para si mesmo.

Esses aspectos visuais surgem no filme com grande vigor, transformado a atenção dos espectadores em refém, mas o filme não consegue segurar a bola por muito tempo. Quando o Duplo começa a empurrar Simon para fora da existência, o filme já fora vítima de um desinteresse que ele mesmo cultivou.

O que atrapalha não é simplesmente a falta de objetivo em Ayoade para chegar no clímax da sua história – é a própria falta de uma história. Enquanto Dostoiésvki prossegue páginas e páginas com lamúrias existenciais capaz de fazer concentrar o mais disperso dos leitores, Ayoade e Eiseinberg não conseguem criar a profundidade necessária em Simon para fazê-lo interessante por si só.

Pouco a pouco atormenta-me a impressão de que as imagens do filme, surgidas de maneira entusiasmadas, passam a existir para maquiar a inexpressão de seus personagens, mal desenvolvidos.

Ainda assim, O Duplo é um filme para ser bem recebido. Richard Ayoade, em seu segundo filme, mostra grande potencial técnico, desde que trabalhe com rigor e se disponha caracterizar melhor seus personagens. Eiseinberg continua competente, dessa vez num papel que requer menos palavras, menos exposição. A novela de Dostoiévski, que o filme adapta com certa liberdade, possui cunho primordialmente existencialista, com a sombra do fascismo à espreita, prestes a atacar. O Duplo consegue manifestar a opulência e opressão de um lugar avassalado pelo totalitarismo, deixando tragicamente de lado o desenvolvimento mais satisfatório de um personagem deseja, com o custo do próprio sangue, se libertar de lá.

Comentários (8)

Vlademir Lazo | sábado, 28 de Fevereiro de 2015 - 12:41

Bertolucci tem uma bela adaptação não-literal de O Duplo (que é um romance sensacional, e dos mais engraçados do russo, no sentido de comédia do constrangimento e humilhação mesmo com tanto drama), que transpõe alguns conceitos da novela pro cenário político dos anos sessenta: "Partner".

Francisco Bandeira | sábado, 28 de Fevereiro de 2015 - 13:15

Sandrelli = diva suprema! 😁

Eu gostei desse, acho que por me surpreender. Fui com expectativas bem baixas e gostei de O Duplo.

Rodrigo Giulianno | terça-feira, 03 de Março de 2015 - 00:27

Esse filme é muito fraco!
Nerds pseudos intelectuais esqueçam dostoievski...deixem para os cineastas de verdade..please...

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