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Críticas

Cineplayers

A mensagem é verdadeira e as histórias conhecidas de nosso cotidiano, mas o filme é muito longo e logo cansa.

6,5

Filme mais caro da história do cinema egípcio, O Edifício Yacoubian já foi exibido por aqui na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado, de onde saiu vencedor do prêmio de melhor ator para Adel Imam, realmente em ótima interpretação. Fez parte, também, da seleção oficial do Festival de Berlim, em 2006. O longa é baseado em romance de mesmo nome, e é best-seller no Egito. Causou polêmica por lá, porque uma de suas histórias versa sobre o homossexualismo no país.

Construído em 1930, em uma Cairo próspera, o edifício Yacoubian já foi sinônimo de luxo e riqueza. No Egito atual, o prédio abriga diversas classes socias e funciona como um reflexo de uma sociedade plural, porém abandonada por quem deveria se preocupar com a prosperidade local. No alto do prédio ficam os moradores de classe baixa, já no corpo do edifício residem a elite egípcia, uma minoria em extinção. O filme mostra as histórias de diversos personagens muito diferentes entre si, mas com algo em comum: o endereço para correspondências. 

O Edifício Yacoubian se utiliza de diversas histórias para mostrar o reflexo do Egito moderno. O filme é, no fundo, nada mais do que um estudo sobre os caminhos desse país, e como o comportamento da sociedade, de um modo geral, colabora para que a nação se afunde cada vez mais em um caminho de desgostos. Com a subtrama de Zaki El Dessouki (Adel Imam), filho de pai nobre, explora-se o lado do luxo conservado através do tempo. Zaki mostra toda a arrogância herdada da aristocracia. Com sua posição social, ele crê poder explorar as mulheres, sua fraqueza, à vontade. Mas, no fundo, é esse personagem, aparentemente mau-caráter, a pessoa que mais demonstra apreço pelo próximo. É uma figura envolvida pelo meio social que vive, mas que não deixa de ter dentro de si, um sentimento bondoso. E a lição vem em seguida. Ele subestimava o sexo oposto, mas foi uma mulher, mais exatamente sua irmã, a responsável por tentar tirar todo o conforto dele. Enquanto Zaki não consegue jogar sujo com alguém de seu próprio sangue, o que vai contra os ensinamentos do livro sagrado, a irmã não pensa da mesma forma. Para ela vale tudo.

Bothayna é uma moradora humilde do edifício. Corrompida pelo dinheiro – tema presente em todas as tramas – ela joga fora sua dignidade e seus valores para conseguir melhorar sua condição de vida. Assim, ela acaba por desperdiçar a chance de continuar o relacionamento com seu amor de infância, Taha El Shazly, filho do zelador do prédio. Rapaz inteligente, Taha prepara-se para ingressar na polícia do Cairo. Mas, o emprego de seu pai faz com que ele não seja aceito para a função. Com a lei rejeitando sua vontade de servir ao país, com uma porta sendo fechada em sua cara por puro preconceito, o jovem acaba ingressando em uma comunidade religiosa engajada politicamente. Antes, queria estar ao lado do Estado, agora, luta para mudar seu funcionamento.

No último andar do prédio moram Fanous e seu irmão Malak. Juntos, eles tentam convencer uma vizinha a seduzir Zaki a fim de fazê-lo assinar uns papéis que transferem a posse de seu apartamento. Essa vizinha é justamente Bothayna. Assim, as personagens começam a ter uma ligação a mais além do endereço. Zaki começa a encontrar na moça um sentimento de admirição e ternura. A moça vive um confronto. Ganhar muito dinheiro traindo a confiança de Zaki, ou deixar com que seu coração se entregue a ele. O pior de tudo é que os irmãos estão trabalhando a pedido da irmã de Zaki. 

Haj Azzam é um antigo sapateiro que prosperou. Agora, ele é dono de várias lojas da região e decide iniciar-se na vida política. Mesmo não sendo contra a religião islâmica, que permite até quatro casamentos, Haj resolve se casar, em segredo, com uma jovem. Sua esposa já não tem mais interesse sexual, mas por ser mãe de seus três filhos, ele não quer decepcioná-la. Com isso, o diretor faz um paralelo sobre uma sociedade hipócrita e preconceituosa. “Existe sacrilégio maior do que ter filho de uma amante ou trair sua companheira?”. Essa indagação é feita por Hatem Rashid, homem rico e homossexual. Ou seja, a sociedade o condena, mas é capaz de aceitar comportamentos absurdos, como viver com diversas mulheres ao mesmo tempo. Para seduzir um policial, Hatem faz uso de todo seu poderil financeiro.

Com esse mosaico de histórias, o filme faz uma análise da influência da religião na vida dessas pessoas. A hipocrisia que as acompanha. A religião, tão invocada, é posta de lado quando o assunto é dinheiro. Acompanhando tudo isso, está o preconceito. Tanto contra as diferenças sexuais, como contra a diferença entre as classes sociais que compõem uma sociedade. A política e seu sistema protecionista entre seus iguais – foro privilegiado – e toda a corrupção que a cerca, também não escapam. O triste é que esse Egito decadente não está tão distante do Brasil em que vivemos. Valores são realmente colocados em segundo plano quando o assunto é dinheiro. Alguns serão punidos por seu comportamento, outros encontrarão a redenção. Entretanto, as conclusões nem sempre se mostram interessantes.

Tudo seria muito válido, caso o filme não se arrastasse por 161 minutos (pouco menos de três horas de duração). As subtramas até que são interessantes, mas a extensão prolongada vai cansando, as histórias parecem estar se alongando sem necessidade, principalmente porque a conclusão de cada uma delas vai ficando fácil de ser antecipada pelo espectador. Até metade da projeção, consegue-se apreender todos os conceitos explorados pelo filme. Depois disso, começa um melodrama desnecessário, e tudo fica muito cansativo. O tempo pesa aos olhos do espectador. A simplicidade poderia ter ajudado, mas, detalista, a história perde sua força. Conhecer os personagens de O Edíficio Yacoubian é conhecer um pouco mais do ser humano, portanto, é interessante. Mas, de uma maneira muito mais contida, a boa mensagem que o longa carrega poderia surtir mais efeito.

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