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Críticas

Cineplayers

Para que haja sombra é preciso que exista luz.

7,0

Habitués de Cannes, os Dardenne apresentaram seu mais recente filme – e novamente na Competição. Aliás, caso ganhem serão os primeiros na história a terem três Palmas de Ouro, a qual já venceram por Rosetta (idem, 1999) e A Criança (L'Enfant, 2005). Este último, inclusive, serve de interessante ponto de contato com O Garoto da Bicicleta: se todos os filmes dos Dardenne se ligam pela dureza do olhar (obtida graças à aridez elétrica de sua encenação) e pelo universo de personagens pelos quais transitam, este soa quase como uma continuação de seu penúltimo filme – e o reaparecimento da figura paterna de A Criança, aqui vivendo um pai que rejeita o filho, é evidência inegável desta ligação.

No entanto, e aí estamos falando de uma das bases do cinema dos irmãos Dardenne, não há maior elaboração dramática estabelecida a partir deste elo, que é apenas um dado cuja significação não é oferecida, como se o filme dissesse: eis o mesmo ator, que também é pai no outro filme. E só.

Elocubrações outras ficam por conta do espectador. Em um grau maior, como dito, isso é básico em seu cinema, no qual a psicologia dos personagens nos é negada em detrimento da força de sua ação, no momento em que ela desenrola. Nunca sabemos exatamente o que está para acontecer, pois o que temos é apenas uma presença física, corporal, de alguém a quem no limite desconhecemos, ainda que estejamos sempre a seu lado, em peculiar empatia criada pela cumplicidade da câmera com corpo e o ambiente onde ele habita.

Aqui, vemos Cyrill, uma criança em apaixonada busca por seu pai, que o rejeita sistematicamente. Sempre em movimento, sempre de bicicleta, vemos um personagem que se recusa a aceitar o que parece inevitavelmente óbvio, preferindo se arriscar, de diferentes maneiras, a admitir o abandono como condição primária de quem é. Impossível não nos lembrarmos do personagem infantil nouvelle-vagueano,  Antoinne Doinnel, a quem vemos, ao final de Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), correr em plano final de inesquecível beleza trágica. Aliás, neste novo filme os Dardenne, ainda que estejamos em seu universo essencialmente duro, parece haver mais espaços de repiração. A fotografia é mais viva, menos cinzenta que o hatitual, além da própria câmera, que alterna seus típicos e desconcertantes momentos de acompanhamento do personagem em câmera na mão com travellings um pouco mais esperançosos em tímida, mas presente leveza.

Porque se a figura do pai somente reforça a crueza e a sombra, a figura de Samantha, vivida por Cécile de France, é a luz, a que resistirá. Ela cruza, por acaso, o caminho de Cyrill para não mais deixá-lo: e, novamente, nunca sabemos exatamente o que a move, somos apenas cúmplices do desconcertante afeto que nutre por Cyrll.  Se Le Gamin au Vélo certamente não é o mais marcante filme dos Dardenne, se coloca com coerência em uma obra forte e coesa: uma fresta de luz. Já é algo.

Visto no Festival de Cannes 2011.

Comentários (2)

Danilo Itonaga | terça-feira, 22 de Novembro de 2011 - 13:55

Muito bom estou acinoso para ver esse filme. Cannes esse ano só teve coisa fina. 😋

Patrick Corrêa | quarta-feira, 23 de Novembro de 2011 - 19:57

Assiti hoje no cinema. Maravilhoso, e merece mais que 7.0.

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