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Críticas

Cineplayers

A dignidade e vergonha na pobreza.

8,0

O novo filme do centenário cineasta português Manoel de Oliveira, O Gebo e a Sombra (Gebo et l'ombre, 2012), é baseado em uma peça homônima de Raul Brandão, e por conta disso guarda um aspecto teatral que vem sendo bastante comentado por críticos após suas primeiras exibições. Para muitos, é um formato bastante perigoso que acarreta o risco de tornar a obra lenta, quase sem clímax ou grandes momentos. Some-se isso ao formato digital, que muitas vezes é associado à frieza de imagens, e temos um filme que causa, no mínimo, incômodo.

Mas tudo são especulações. Na prática, Manoel de Oliveira prova que seus 103 anos lhe trouxeram experiência o suficiente para driblar alguns possíveis erros de percurso. Na verdade, ele aproveita essas situações que são consideradas por muitos como desvantajosas e tira o melhor de cada uma delas. A começar pela atmosfera teatral, que terá sua forma lenta rompida com o aparecimento de um personagem até então apenas mencionado pelos outros. João (Ricardo Trêpa) é o filho do humilde casal Gebo (Michael Lonsdale) e Doroteia (Claudia Cardinale), que sumiu de casa e não manda notícia há muito tempo. É um personagem que existe apenas na lembrança dos outros durante um bom tempo de história, de modo que a imagem inicial que formamos dele é um tanto abstrata e inexata. Nesse primeiro momento, ele parece ser apenas um fantasma e por isso o filme pode parecer um pouco monótono em vista da enorme sucessão de diálogos em torno de João.

Rompendo essa sucessão de diálogos, quase todos comandados por Gebo, surgirá subitamente João de volta ao lar. Gebo na verdade sempre soube do paradeiro do filho, assim como sabe que este rouba para sobreviver, mas não conta a verdade para Doroteia, para que esta não sofra mais uma decepção em sua vida. O aparecimento de João implicará não apenas no choque com a família, remexendo o tempo de ausência inexplicada, mas também servirá como um contraponto às atitudes de Gebo. Tanto João quanto Gebo podem ser considerados os personagens centrais desta trama; Gebo por ser o patriarca e praticamente onipresente em todas cenas, e João por ser o assunto da vez. Como protagonistas, pai e filho representam também uma antítese na forma como cada um encara sua situação social, e está nessa diferença a grande questão da obra.

Gebo já é pobre e idoso, mas também um homem de muito caráter e moral. Apesar de seu emprego inglório, seu salário baixo e sua situação financeira preocupante, ele continua trabalhando honestamente, crendo que um bom nome é o valor mais importante. João segue pelo caminho inverso, se envergonha de sua situação financeira e social e não mede esforços para sair desta situação, por conta disso leva uma vida de bandidagem. Nasce dessas duas atitudes diante de um mesmo problema a grande força motora do filme, que alimentará discussões interessantes. Os valores que vão se adulterando conforme o passar das gerações, os conflitos familiares e uma relevante analogia da situação atual da Europa são apenas algumas dessas discussões.

Claro que essa analogia foi uma pequena inserção de Manoel de Oliveira, já que a história original se passa em meados do início do século XX. A forma como o cineasta procura usar uma história publicada há tanto tempo para discutir temas de relevância atualíssimos é bastante sutil e peculiar, e reside nela a grande sacada da obra. Parece que a escolha de trazer para as telonas essa peça justamente nesse momento de crise financeira na Europa não é mera coincidência, e sim mais uma demonstração do cinema sagaz e sempre atual do diretor, que do auge dos seus 103 anos consegue ser mais atualizado que muitos de seus companheiros (bem) mais novos.

Comentários (7)

Polastri | segunda-feira, 19 de Novembro de 2012 - 23:50

http://www.contracampo.com.br/99/pgogeboeasombra.htm

Adriano Augusto dos Santos | terça-feira, 20 de Novembro de 2012 - 08:47

Parece imperdivel.
Teatral no digital fiquei muito curioso.

E ver Cardinale de volta me faz feliz !

O problema é : quando verei ?

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