Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Uma divertida comédia com personagens bandidos e gays.

7,0

Mais do que meramente uma comédia, O Golpista do Ano (I Love You Phillip Morris, 2009) é um filme original e surpreendente que mescla uma infinidade de gêneros. Há nele grandes toques de humor sarcástico, que podem garantir gargalhadas, mas com um tom bastante agridoce: conhecemos a história real de Steve Russel (Jim Carrey), uma criança adotada que cresce com o sonho de tornar-se policial para tentar descobrir suas origens biológicas. Recusado pela mãe, casado em uma vida monótona, um acidente e a proximidade com a morte o fazem querer extravasar toda a rejeição do mundo sobre ele.

Russel assume-se homossexual (revelação que é feita com uma engraçada cena de sexo explícito), e, numa atitude reacionária, muda de lado: parte para o mundo do crime, praticando pequenas fraudes para sustentar o seu estilo de vida consumista e afetadamente gay. Conhece um novo namorado, vivido pelo ator brasileiro Rodrigo Santoro (aliás, imagens da produção do filme já ganhavam destaque na mídia do país justamente em virtude disso), mas quando finalmente vai parar na cadeia é que toda a história deste filme irá se desenrolar, quando encontra Phillip Morris (Ewan McGregor), o personagem que dá título ao filme, e que virá a ser o amor de sua vida.

O filme se faz valer pelas excelentes atuações de Jim Carrey e Ewan McGregor, o que era de se esperar, já que se tratam de personagens raros e bem construídos, interpretados por atores versáteis, e aqui dão vida a um casal gay de forma bastante convincente, e principalmente muito divertida.  O roteiro é engenhoso, e embora use de algumas fórmulas e esquemas narrativos bem batidos, é repleto de ritmo e reviravoltas surpreendentes, soluções articuladas, conseguindo manter a atenção do expectador ao longo de toda duração, afastando-se da previsibilidade.

Esteticamente, é perceptível o cuidado da direção de arte para compor cenários e figurinos que abusam de diversas cores que proporcionam uma plasticidade bastante vívida, abusando de variadas tonalidades, gerando um visual bastante condizente com o universo gay dos personagens.  Sem sombra de dúvidas, foi realizado um  intenso tratamento de imagem na pós-produção, fazendo com que os planos ganhassem um acabamento multicolorido.

Há algo de catártico, de libertário em O Golpista do Ano. Num primeiro momento, a história fascinante desse trambiqueiro parece um reflexo transgressor de uma sociedade norte-americana profundamente enraizada nos moldes da família tradicional e da carreira profissional de sucesso. Muitas das falcatruas geniais de Russel fazem lembrar o excelente Prenda-me se for Capaz (Catch me if you Can, 2002), de Steven Spielberg (há quem diga que é o melhor filme do diretor), em que Leonardo DiCaprio interpreta um picareta que dá golpes sem fim, passando de médico a piloto de avião – igualmente baseado numa história de um personagem verídico.

Engraçado como uma boa comédia deve ser, O Golpista do Ano é, contudo,  um filme bastante melancólico – paradoxalmente triste. Jamais pretensioso, nem mesmo quer levar-se a sério, ou transmitir alguma moral ou mensagem maniqueísta sobre o mundo, mas o  fato é que nos leva a uma reflexão sobre valores. Ao mesmo tempo que Russel quer extravasar, viver a vida intensamente de forma livre e inconsequente, a sua carência e permanente necessidade de satisfação o levam a um aprisionamento. É um deplorável escravo de seus próprios golpes, fontes de um vício, que se tornam uma finalidade em si. Os momentos em que passam na prisão remetem até a uma ideia de paródia gay do clássico Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994), que embora engraçada, não é menos angustiante.

O Golpista do Ano não é um filme gay, que queira levantar alguma defesa em prol dos homossexuais, tampouco fazer críticas à sociedade de forma primária e superficial – o que é muito comum em falsos bons filmes. A única certeza que chegamos ao final da projeção é na imensa vocação do cinema em oferecer um espaço cativo para vigaristas e bandidos, onde talvez seja o único lugar em que seja possível enaltecer a certa beleza e fascínio que existem na genialidade de truques e artimanhas de um bom trambiqueiro.

Comentários (0)

Faça login para comentar.