Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Tecnicmente impressionante para sua época, ainda hoje é um dos melhores filmes sobre a água já lançados.

9,0

O filme de 1935 vencedor do Oscar é genial! O motivo principal é um só: a maravilhosa interpretação de Charles Laughton como um dos melhores vilões da História do Cinema, o Capitão William Bligh. Inspirado por fatos reais e adaptado de um romance de Charles Nordhoff e James Norman Hall, O Grande Motim fala dos maus tratos à tripulação, por alguns Oficiais, nas grandes viagens desbravadoras a bordo de navios no século XVIII, aqui mais especificamente da marinha britânica. O tema recorre a Encouraçado Potemkin, de 10 anos antes. O filme de Eisenstein, que mudou a cara do cinema em termos técnicos, ainda antes da Era do Som no Cinema, também falava do mesmo tema, só que O Grande Motim trata ele com personagens muito mais sólidos e encantadores, não oferecendo apenas só técnica para o espectador.

Obviamente, a técnica encontrada no filme do diretor Frank Lloyd é assustadoramente magnífica. O filme tem efeitos especiais impressionantes para sua época. Imagine fazer um filme que se passa 80% em mar aberto, em plena década de 30. Potemkin, claro, deu algumas boas dicas e foi um predecessor necessário, não só para o sub-gênero de filmes navais, mas para todo o Cinema. Em relação a O Grande Motim, o filme é totalmente realista. Produções modernas, como O Barco, de Wolfgang Petersen (embora este na verdade seja sobre um submarino), ou mesmo o recente Mestre dos Mares, de Peter Weir, não poderiam ser consideradas muito melhores tecnicamente, devido à perfeição atemporal do filme de Lloyd. Outros aspectos técnicos como som e trilha sonora também são elementos que se destacam, dando imersão ao enredo que poucos filmes de hoje em dia possuem.

O filme recebeu uma refilmagem em 1962 com Marlon Brando, porém esta não tem a mesma carga emocional e impacto do original, mesmo que tenha sido nomeada para melhor filme no Oscar do ano seguinte. Embora eu tenha falado um bocado sobre os aspectos técnicos, é pelo roteiro que o filme pode ser considerado fenomenal. Bligh foi talvez o maior navegador de sua época, mas seus métodos para conseguir respeito da tripulação faziam-no se tornar sempre o grande vilão das longas viagens em busca de especiarias de locais distantes (no caso, árvores do Taiti, para serem replantadas na Inglaterra). Bligh punia sem piedade e era corrupto. Punia mesmo os mortos! E por isso a tripulação o odiava. E por isso a tripulação do Bounty, um modesto navio britânico, no final do século XVIII, resolveu fazer um motim que acabaria mudando as regras com que os oficiais britânicos tratariam suas tripulações a partir daí. Isso é história real, mas só aconteceu depois de muito sangue. A interpretação de Laughton – repito – foi maravilhosa, fazendo seu Capitão tornar-se um dos melhores, complexos e interessantes vilões do Cinema. O mais estranho e engraçado, em contraponto com sua grande performance, é que todo o processo de filmagem deixou o ator extremamente enojado do mar.

Funcionando como antítese a Bligh temos o Lt. Fletcher Christian, interpretado também com muita força por Clark Gable (de E o Vento Levou). Christian é nosso herói típico, cheio de carisma, boa vontade e justiça para com todos, inclusive com o próprio Bligh. Ele é irretocável, correto e astuto. Difícil não gostar de seu personagem. Isso não quer dizer que ele é um simples estereótipo, criado somente com esse objetivo. Christian é também um personagem complexo, humano e que passa por decisões difíceis durante o filme (ele reluta muito até aceitar a sugestão de motim de membros da tripulação). Há vários outros coadjuvantes, bons e maus, todos com motivações bem definidas e desenvolvimento amplo na trama. Como todo bom clássico ou filme que quer ficar marcado no seu tempo deveria ter. O roteiro também apresenta uma regularidade e solidez como poucos: constituído de três atos bem definidos, a viagem de ida; a estadia na ilha e a viagem de volta (onde ocorre o motim), cada parte é incrivelmente interessante e o filme nunca fica chato. Há um real interesse de ver o que acontece logo em seguida.

Como curiosidade, existe o fato de o filme ser o único do Oscar a ter três nomeações de melhor ator principal: Gable, Franchot Tone e Charles Laughton foram os privilegiados, embora estranhamente ninguém tenha ganhado (Laughton particularmente merecia o prêmio, mas ele pelo menos acabou levando o New York Film Critics Award para melhor ator daquele ano). Deixando para trás os aspectos técnicos incríveis do filme, e também as interpretações magistrais, temos o fato de o filme ser muito divertido. Embora seja um drama, tem elementos de comédia (o marujo bêbado, um velho estereótipo que aqui funciona como alívio cômico); romance (as taitianas e seu desejo por marinheiros de terras distantes) e até mesmo horror (a morte horrível pelas mãos do injusto capitão Bligh). Resumindo, é um filme que funciona em vários níveis e que pode ser avaliado de diversas maneiras. Um filme completo, um clássico inesquecível que perdura até hoje como um dos grandes filmes de aventura da Era Preta-e-Branca de Hollywood.

Comentários (0)

Faça login para comentar.