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Críticas

Cineplayers

Atolado de clichês dos filmes independentes, conta com atores para dar algum alento a um roteiro rigidíssimo.

5,0

Nota: esse texto não tem spoilers. Os detalhes essenciais da trama não serão revelados, uma vez que o filme se apóia bastante na história, e revelá-la pode lhe tirar a graça, a pouca que tem.

Voilà, mais um roteiro padrão Syd Field na corrida ao Oscar. O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012), apesar de não seguir à risca o famoso o manual de como escrever um roteiro do autor americano, tem sua estrutura reconhecível desde o início: a primeira meia hora para apresentação das personagens, uma reviravolta, seguida da segunda meia hora, com o desenvolvimento da trama; por fim, mais uma reviravolta, e o filme caminha para a meia hora final. Até lá, muito sentimentalismo, psicologismos baratos de quinta categoria, com pai e filho chorando ao tentar restabelecer a relação (coitado do De Niro, que cena constrangedora), e o inevitável final feliz. Digamos que é a estrutura clássica do cinema desde os anos 90 e adotada à exaustão em todas as partes do mundo nos dias de hoje.

Primeira parte: apresentação das personagens e contexto

David O. Russell forçou a mão dessa vez. O diretor e roteirista de O Vencedor (The Fighter, 2010) é ótimo diretor de atores, mas não teve a mesma sorte na escritura desse roteiro. Aqui conta a história de um professor de história do ensino médio na Philadelphia que, por conta de uma tragédia, acaba internado num hospital psiquiátrico por oito meses. Lá, é diagnosticado com distúrbio bipolar. Sai com a ajuda da mãe obcecado em reconquistar a mulher e ter sua vida de volta. Quem em sã consciência pode ser contra ele?

No papel do bipolar, Bradley Cooper fala sem trégua. O ator se acha engraçado, mas não é. Irritante, sem precisão, sua personagem soa infantil e abobalhada, e não um doente mental. Sua relação com o psicanalista é um dos piores clichês do filme, reduzindo a psicanálise a simples auto-ajuda. Despreza o uso de medicamentos, valoriza o amor dos pais como verdadeiro motor para a cura e, claro, o pensamento positivo ("silver lining") e sua grande força de vontade para superar esse "momento difícil" de sua vida. É raso e tolo, ofensivo até, parece um desses programas que passam à tarde na TV. O título do filme sai da expressão “Every cloud has a silver lining” (Toda nuvem tem um fundo prateado), referência à tradicional maneira dos americanos de procurar sempre ver o lado positivo das coisas.

Russell tenta fazer um filme com um quê de anárquico, com um humor bastante particular, e os resultados redundam sofríveis: só consegue produzir barulho e confusão, dentro de uma estrutura fixa demais para fazer o filme evoluir a contento. Essa poeira toda da primeira parte foi confundida como "prova de audácia" do diretor-roteirista por certa parte da "crítica". Fica a critério do público decidir. Sua contextualização, filmando excessivamente a Pensylvania, beira o ridículo por vezes.

Primeira virada: Jennifer Lawrence entra em cena

Na segunda parte, a melhor, entra em cena Jennifer Lawrence e o filme se transforma numa comédia romântica. Apesar de Lawrence não transmitir nem por um segundo a tarada sexual deprimida que é sua personagem, ela vai conseguir manter o fôlego do filme enquanto estiver em cena graças, entre outros recursos, a seu timing perfeito para não sucumbir aos maneirismos de Cooper. Funciona da mesma maneira com mulheres inteligentes e bonitas que têm um namorado mala: elas conseguem manter a conversa fluindo mesmo depois de mais uma piada sem graça do companheiro sem noção.

Segunda virada: a aposta e o concurso de dança

Conforme à indigência das ideias centrais do filme, o filme terminará num concurso de dança, onde as personagens tentarão superar seus traumas. É uma ofensa à inteligência do público – mas vá lá, pelo menos Jennifer estará em cena. Porém, o diretor acrescenta um vício ao pai, uma aposta ridícula, a entrada da esposa do bipolar, muito futebol americano, enormes discussões sobre o time dos Eagles, da Pensylvania (de novo…), superstiçoes exdrúxulas, um irmão patologicamente ciumento, o psicanalista indiano também fanático pelo esporte e, como se não bastasse, o entra-e-sai de cena de Chris Tucker, outro paciente mental que vive fugindo do sanatório para encontrar o amigo em gags tao desnecessárias quanto sem graça.

Com tudo isso, o filme consegue garantir sua exibição na Sessão da Tarde: é o diretor apelando para o populismo para terminar seu filme. A premissa é a de que todo mundo tem seus problemas, de forma que os desajustados em questão não seriam lá tão anormais assim – nem mesmo com depressão aguda. São os dois já se reintegrando à sociedade, disforme como eles só. O resultado é lamentável, e o que é pior, tudo isso só tira Jennifer e seus profundos e enigmáticos olhos azuis de cena. É ela que conseguia dizer as frases pseudo-inteligentes e supostamente engraçadas do filme, como "Uma parte de mim será sempre suja, mas gosto disso, como todas as minhas outras partes. Eu posso me perdoar por isso. E você, pode se perdoar, fucker?" – repetida duas vezes, aliás.

Tem coisa pior. No início, a personagem de Cooper termina a leitura de Adeus às armas, de Ernest Hemmingway, e joga o livro pela janela, revoltado com o final da história - e ele vai acordar os pais para discutir a trama. É tudo artificial, o diretor está jogando com isso, não há a pretensão de ser fazer um filme "realista", mas a falta de jeito do diretor para esse tipo de narrativa é gritante: parece que ele estava doido mesmo para fazer um filme mais convencional, mas ninguém iria levar o conteúdo a sério, daí ele partiu para o uso de artifícios, arapuca parecida com a de Christopher Nolan editando o filme ao contrário em Amnésia (Memento, 2000).

Enfim, é um "filme do Oscar", que ocupa a indicação que sempre vai para os "independentes". Esse O Lado Bom da Vida só é "independente" porque tem De Niro no elenco (que vexame, coitado) e foi produzido pelos irmãos Weisntein, que provavelmente devem ter turbinado a parte "selvagem" da narrativa. Salvam-se os atores. Um dos casais do concurso de dança vai dançar "samba" em ritmo bem espanhol, e a cena do beijo é com Frank Sinatra ao fundo. 

Enfim: um filme ruim com a grife dos Weinstein, a mesma praga que aparece todos os anos na época do Oscar.

Comentários (57)

Ícaro Santana | quarta-feira, 20 de Fevereiro de 2013 - 04:01

Discordo de 95% da crítica.

Angelão | sábado, 23 de Fevereiro de 2013 - 16:31

Concordo com 100% da crítica.

Liliane Coelho | segunda-feira, 20 de Janeiro de 2014 - 12:50

Apesar de entender a decepção do Demetrius, achei a crítica muito sarcástica. Não entendi, por exemplo, porque chamar tanto o De Niro de coitado.
Achei o filme \"bonitinho\"; apesar de um mote relativamente novo, ele não foge muito dos clichês de filmes do tipo. O que me incomodou foi o abrupto \"apaixonamento\" no final: Pat ficava toda hora falando da Nikki, Nikki pra lá, Nikki pra cá, e de repente diz gostar de outra pessoa.
Apesar das boas atuações, o filme enquanto obra deixa a desejar e não merecia tanto alarde realmente.

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