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Críticas

Cineplayers

Um filme que não aproveita os talentos que tem em mãos, simplesmente pela sua falta de experiência.

7,0

Se algo o Brasil aprendeu nessa Copa do Mundo, foi que um conjunto de craques não forma um bom time. O mesmo pode ser dito do filme O Libertino, estréia da direção de Laurence Dunmore. Tinha um ótimo elenco, com Johnny Depp, Samantha Morton e John Malkovich, um bom texto e excelentes técnicos, no caso, o músico inglês Michael Nyman, o designer Ben van Os na direção de arte e a figurinista Dien van Straalen (os dois últimos são holandeses), todos egressos dos filmes de Peter Greenaway. Todos juntos não conseguiram fazer um bom filme, apenas os talentos individuais brilham.

Conta a história do conde de Rochester, autor lascivo e lúbrico responsável por algumas peças escandalosas da segunda metade do século 17 – Sodoma, uma das peças apresentadas no filme, foi escrita em 1647. É um autor citado pelo crítico Samuel Johnson e por escritores célebres, como Voltaire e Graham Greene. Charlotte Brönte nomeou um de seus personagens do romance Jane Eyre numa referência a ele. Sua obra está esquecida, não logrou o êxito do francês Marquês de Sade.

Trata-se de um filme para quem gosta de teatro. Baseado numa peça, tem longos diálogos, densos e intrincados, que necessita atenção e concentração para acompanhar – ou seja, 90% do público do cinema hoje não vai dar conta. Há frases filosóficas, embates verbais e tensas discussões sobre fazer teatro e sua função social. Afinal, Shakespeare já havia morrido, sua herança colossal pesava nos novos autores e a Inglaterra, falida e prestes a uma guerra com a França, tentava recuperar o prestígio político e cultural com o retorno de Carlos II ao trono, a chamada Restauração Inglesa.

John Malkovich interpreta o rei (interpretou o libertino no teatro numa versão montada em Chicago), com o mesmo distanciamento cínico de todos os seus papéis recentes. Johnny Depp vai no mesmo diapasão. Nenhum dos dois dá o melhor de si, repetem maneirismos, exageram nos tiques e sobram no pernosticismo. Sobra para Samantha Morton, a atriz sem talento e prostituta egoísta (no filme, claro), os melhores momentos. Enquanto declama os versos de Ofélia, Michael Nyman a acompanha no piano. Seu sotaque inglês, perfeita dicção e furiosa concatenação de frases deixam claro que ela é uma atriz, uma excelente e grande atriz, independente do papel que faça, como quer sua personagem.

Mas o diretor se perde em bobagens, excessos de luz e sombra (recria uma Londres cheia de ratos e enlameada), imagem granulada, pois filmou tudo em luz natural. Enfim, típico filme de estreante, que vai desperdiçando os nomes que tinha e o orçamento alentado (última produção da Miramax ainda sob é égide dos irmãos Weinstein).

Resta-nos deleitar com a parte técnica, impecável. O diretor de arte Ben van Os, um dos maiores em atividade hoje, especializou-se em filmes históricos que recriam pintores famosos, em especial os de sua pátria. Fez isso com Jheronimus Bosh em O Bebê Santo de Mâcon, com Jan Vermeer em Moça com Brinco de Pérola e agora, neste O Libertino, Huymans (há uma hilária citação dele no filme). Seus cenários gigantescos, atulhados de legítimas peças de época ou réplicas perfeitas tiradas de quadros famosos, deram-lhe uma reputação sem igual. É dele os delírios de Um Z e Dois Zeros, O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante e Afogando em Números, todos de Greenaway, em parceria com a figurisnista Straalen e o músico Nyman. Vale a pena ir ao cinema só para ver as criações robustas e precisas, historicamente corretas, artisticamente impecáveis, dessa trupe.

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