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Críticas

Cineplayers

O lobo imprevisível.

8,5

A estreia do curta-metragista Fernando Coimbra em longas é marcada pela sutileza na condução da trama e na habilidade em sair do drama policial para o suspense de ocasião, ascendendo a medida que fatos são revelados. É notório seu comprometimento em extirpar o romantismo capenga e converter o rumo delgado de produções semelhantes, assumindo uma direção contrária às pretensões brandas. Aqui o desenrolar é outro, choca pela pureza e crueza, não tão distante do que já estamos habituados a ver diariamente em programas sensacionalistas ou jornais, mas distinto graças à inventividade e coragem de não ser politicamente correto e querer agradar todo mundo com a fantasia da segurança.

A história gira em torno de um provável sequestro. A filha do casal (Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento) desaparece, abrindo margens para uma rede de indagações a respeito do responsável pelo sumiço. A coordenadora da creche onde a menina foi vista pela última vez diz que a pequena fora embora junto a uma mulher. Pareciam amigáveis. Segundo as descrições, as suspeitas caem sobre Rosa (Leandra Leal), jovem que tem um estreito e estanho envolvimento com o casal. Acompanhamos o desenvolvimento da história através de flashbacks expositivos que possuem eficiente função narrativa, não só para explicar a ocorrência, mas para exprimir o suspense, pondo em dúvida a realidade e consequente salubridade dos discursos.  

Sem querer fazer um estudo de personagem, o roteiro não se atém a alguém especificamente, o que não quer dizer que nossa curiosidade não seja incitada em compreender as verdades por trás de cada ato específico, bem como de quem os realiza. Acompanhamos a investigação e temos total acesso aos depoimentos, e como esses são tirados dos suspeitos, geralmente originados pelo tom irônico do delegado vivido por Juliano Cazarré. Esse é o momento de descontração, o alívio que permite algumas risadas diante o clima hostil envolvente. A personagem de Leandra Leal é a mais complexa, surpreendendo a todo instante com uma doçura branda e segurança perspicaz. Acompanhar suas obscuras decisões é a melhor oferta da obra, já que esta se desenvolve através de pontos de vista. O de Rosa fica reservado para o derradeiro e impressionante desenlace.

Fernando Coimbra traz na bagagem a experiência que os curtas lhe ofereceram através dos anos e detalha um suspense competente com uma técnica que o tempo lhe deu, aperfeiçoada nas produções particulares onde fazia o que queria. Planos sequências se delongam em distintos momentos corroborando com o desempenho dos atores que agem naturalmente. Coimbra tem controle sobre o elenco e sobre o que deseja apresentar ao público, agindo sem receios quanto às prováveis críticas que receberia por ser inclemente. Os diálogos são bons e fortalecem nossa dúvida. O diretor é mais um bom nome que surge em nosso cinema.

São vários os assuntos tratados no decorrer do filme, entre eles casos extraconjugais e investigação policial, e nenhuma subtrama tem mais atenção do que deve ter. A narrativa segue um curso de esclarecimentos enquanto efervesce com cenas picantes de paixões repentinas, sempre com a interrogação do futuro e dos que os envolve, bem como suas motivações. Temos a real impressão do quão lúgubre são as relações dispostas em cena, isso é condizente a fotografia escurecida deixando a noção de omissões, e aos vários momentos em que grades sobrepõem os personagens, mantendo-os simbolicamente presos, quase que intimamente inacessíveis.  Sonhos se fundamentam na expectativa, a do outro nos é incerta. E nem todas as verdades são fáceis de encarar. E nem todas as atitudes são simples de compreender.

Filme visto no Paulínia Film Festival 2013

Comentários (7)

Caio Henrique | segunda-feira, 16 de Junho de 2014 - 09:18

"...mas um viralatismo carcomido e intragável" Num aguentei... KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Lucas Souza | segunda-feira, 16 de Junho de 2014 - 12:33

"...mas um viralatismo carcomido e intragável"...

Orra! Eu queria ter um vocabulário culto desse jeito pra soltar uma perola dessas!!!

Patrick Corrêa | terça-feira, 30 de Setembro de 2014 - 11:19

Difícil escrever sobre esse filme sem entrar em detalhes sobre o desenrolar das ações, mas você se saiu bem na tarefa, Marcelo. Texto aprovado! 😉

Quanto ao filme, é um dos mais perturbadores dos últimos anos, com atuações poderosas, especialmente de Leandra Leal, que faz misérias na pele de Rosa.

Gustavo Coelho | sexta-feira, 10 de Outubro de 2014 - 23:28

Deveria ter sido indicado como representante do Brasil no Oscar do ano que vem 😐

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