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Críticas

Cineplayers

Sombras e repetições.

7,5

O desencanto permeia a narrativa de O Lugar Onde Tudo Termina (The Place Beyond the Pines, 2012), terceiro longa-metragem de ficção de Derek Cianfrance. Exaltado por boa parte do público e da crítica por conta de Namorados para Sempre (Blue Valentine, 2010), o realizador estadunidense retoma sua parceira com Ryan Gosling, protagonista de seu filme anterior. Dessa vez, ele é Luke, um piloto de motocicletas que começa a história ganhando a vida arriscando-se com outros dois parceiros em um globo da morte. A cena que mostra o trio em ação dentro do reduzido espaço de globo é aflitiva, e resume em imagem a rotina de caminhada no fio da navalha que o personagem tomou para si. Dali para a frente, o espectador vai conhecendo um pouco a respeito daquele sujeito de poucas palavras e gestos abruptos.

Um ano antes, Luke viveu um romance passageiro com Romina (Eva Mendes) e então desapareceu sem deixar qualquer notícia ou explicação. Quando retorna, deseja continuar o relacionamento de onde tinha parado, mas não é tão simples assim voltar ao que era antes. Da aventura entre eles, nasceu Jason, um bebê que desperta no piloto um sentimento de paternidade tortuoso. Disposto a oferecer carinho e provisões ao menino, ele se associa a um homem solitário que lhe propõe um esquema bem articulado de assaltos a bancos, unindo sua habilidade de motociclista à rapidez do homem em lhe dar cobertura para desaparecer em meio à perseguição policial. É quando Luke começa a meter os pés pelas mãos, já que, depois do primeiro assalto, vêm outros e outros, o que se transforma na sua fonte de renda. Ao mesmo tempo, ele procura se reaproximar de Romina, mesmo sabendo que ela já está em outro relacionamento.

Desde os seus primeiros fotogramas, O Lugar Onde Tudo Termina se apresenta como um filme arquitetado nas sombras. Predominam os tons escuros nos ambientes, mesmo nas sequências diurnas, o que é uma forma de o diretor explicitar a personalidade de Luke, sempre fechado e, ao menor sinal de contrariedade ou confronto, é capaz de arroubos violentos. Não é muito difícil pensar em um paralelo com o protagonista de Drive (idem, 2011), outro homem de muitos silêncios e atitudes repentinas, interpretado pelo mesmo Gosling. Contudo, é reducionista falar que o ator esteja reprisando aqui um de seus melhores papéis. Nos últimos anos, ele vem mostrando versatilidade na alternância entre o drama [o próprio Namorados para Sempre] a comédia [Amor a Toda Prova (Crazy, stupid love, 2011)] e a comédia dramática [A Garota Ideal (Lars and the Real Girl, 2008)] e, aqui, consegue oferecer nuances distintas ao caráter de Luke, ainda que os perfis dos personagens sejam similares.

A atmosfera de desencanto é reforçada o tempo todo pelos rumos que o protagonista toma, bem como os personagens ao seu redor. Cada qual à sua maneira, eles apresentam dimensões trágicas, mantendo a narrativa assinalada pela densidade. As composições musicais da trilha sonora também contribuem para o clima melancólico, e o mesmo pode ser dito do roteiro, escrito pelo próprio Cianfrance. Não há espaço para momentos de alívio na trama. Talvez apenas o rápido passeio de Luke, Romina e Jason, que termina com uma foto divertida em que Luke tapa os olhos da ex-namorada para que ela não apareça chorando, possa ser apontado como um sopro de calmaria. No mais, o filme exala tensão e tristeza, reafirmando Cianfrance como um realizador pessimista. Se, em seu longa anterior, o romance de Dean e Cindy estava fadado à dissolução, aqui o destino de Luke assume contornos cruéis e põe um fim ao que se pode chamar de primeiro ato da história e de uma decisão corajosa do diretor, comparável a escolha dramática de Alfred Hitchcock em Psicose (Psycho, 1960) – a correlação torna-se compreensível para quem tiver assistido a ambos os filmes.

Ainda surgem outros dois atos no drama, todos bem encadeados e relacionados. São a demonstração de que, muitas vezes, os erros dos nossos pais também são os nossos erros, que dão compõem um ciclo de repetições negativas. Na passagem do primeiro para o segundo ato, entra em cena Avery (Bradley Cooper), um policial com pouco tempo de carreira que já ostenta a fama de ilibado e tem atuação decisiva em um dos assaltos praticados por Luke, produzindo a primeira reviravolta da trama. Porém, ele está longe de ser irrepreensível como aparenta, e seus erros e omissões começam a aparecer para exemplificar suas falhas de caráter. Nas mãos de Cooper, o personagem carece de uma interpretação mais consistente e contundente, ficando aquém da carga dramática exigida pela sua trajetória de problemas profissionais e familiares. Trata-se de um ator de poucos recursos expressivos, que chegou a ser indicado equivocadamente ao Oscar de melhor ator por O Lado Bom da Vida (The Silver Linings Playbook, 2012).

Quando se chega ao seu terceiro ato, O Lugar Onde Tudo Termina começa a apresentar sinais de desgaste, tornando questionável a opção do cineasta por ir tão longe e fazer parecer está dirigindo um segundo filme. Ainda é possível falar de sombras a essa altura, mas no sentido de este terço final da história ser uma sombra do seu início, mais eletrizante e bem desenvolvido. Valeria a pena se Cianfrance tivesse enxugado parte da narrativa e não tivesse deixado a história ultrapassar as duas horas, pois é justamente a duração que compromete o seu ritmo e pode fazer decair o interesse do público por um enredo tão promissor.

Em solo brasileiro, o filme ainda carrega o problema de ter recebido um título nacional inadequado. Parece que os distribuidores quiseram ser mais bombásticos do que no original e acrescentaram informação à trama por sua conta – Namorados para Sempre também sofreu com um título errôneo. Em todo caso, o longa vale a conferida, por sua demonstração do quanto as decisões que um indivíduo toma podem repercutir na vida dos que os rodeiam, assim como pela reafirmação do talento de um realizador, apesar das pequenas gorduras que atravessam a narrativa, ausentes em seu trabalho precedente.

Comentários (11)

Ravel Macedo | sexta-feira, 05 de Julho de 2013 - 18:23

gostei bastante, mas o impacto é momentâneo.

Ravel Macedo | sexta-feira, 05 de Julho de 2013 - 18:24

e para o terceiro ato ser diferente só se ele não existisse.

Vinicius de Moraes | domingo, 29 de Junho de 2014 - 22:42

Na minha opinião,os dois atos finais perdem força sobretudo pela excelência do primeiro ato,Gosling está muito bem papel.Cooper não está no mesmo nível,mas se esforça.O terceiro ato se torna interessante pelas coincidências,embora não demore muito para que todos saibam delas antes de serem reveladas.Gostei bastante,bom filme.

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