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Críticas

Cineplayers

Conto de King adaptado ao cinema pelas mãos de Darabont ganha pontos por não se ater apenas ao óbvio do gênero.

7,5

O conto O Nevoeiro foi escrito por Stephen King e, no Brasil, publicado no livro Tripulação de Esqueletos. A história apresenta uma pequena comunidade que fica presa em um supermercado, após um intenso nevoeiro chegar à cidade onde vivem, trazendo estranhas e hostis criaturas para o local. O Nevoeiro é um dos grandes contos de King, que não se atém apenas ao fantástico da situação que apresenta, ou ao suspense, dando grande ênfase ao contexto psicológico, social e religioso em que sua trama se insere.

Frank Darabont, responsável pelos aclamados Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre, também adaptados de obras de King, dirige e roteiriza O Nevoeiro, e mais uma vez pode ser reconhecido pelo brilhante trabalho que desenvolve, ao captar a real intenção do conto e não apelar diretamente para o suspense, que não é mais que a fachada dessa história. King deveria vender os direitos de seus livros e contos apenas para Darabont, pois ultimamente é o único realizador que transpõe com seriedade ao cinema os trabalhos do autor.

O roteiro do filme é incrivelmente fiel ao conto, e quem o leu vai perceber durante toda a projeção a transposição exata de cenas e até mesmo de diálogos escritos por King. Um exemplo é o seguinte (para quem não leu o conto ou viu o filme, evite a leitura do trecho que segue): 

- Vamos, Ollie. E obrigado.
- Eu a matei - disse ele, em voz rouca. - Não tinha saída!
- Sim - assenti. - Foi isso que lhe agradeci. Agora, vamos!

As mudanças do filme em relação ao conto são justificáveis e a maior delas, que é a alteração total do final do mesmo, pode deixar até o próprio King com inveja, por não ter finalizado sua história da mesma forma. Uma interessante mudança também foi feita por Darabont, que excluiu de seu roteiro a passagem em que David e Amanda fazem sexo. O próprio King justificara certa vez que tal seqüência só fora escrita para apimentar um pouco seu conto, que seria publicado em uma revista dirigida ao público masculino.

Se a intenção fosse analisar apenas a superfície do filme, ou o que é divulgado como sinopse e na maioria das vezes é o que atrai o espectador aos cinemas, O Nevoeiro é um suspense competente, que desenvolve e equilibra ótimas cenas de ficção e tensão, sem recorrer a recursos do gênero já muito utilizados. O trabalho de Darabont na direção recorre a elementos incomuns em filmes do gênero, e mesmo com a limitação imposta pelo quase único ambiente onde o filme se desenvolve, nunca o deixa monótono. Poucas quebras de ritmo acontecem durante o filme, e uma delas provém do desnecessário envolvimento da caixa do mercado com um militar, que é superficial e serve apenas para com que se crie certa empatia com os mesmos, aumentando posteriormente a dramaticidade de cenas distintas protagonizadas por eles. Outro demérito de O Nevoeiro são seus efeitos especiais e a elaboração das criaturas, que não foram muito bem desenvolvidos.

Mesmo classificado como exemplar do gênero, O Nevoeiro não é um mero suspense de ficção, e não deve ser analisado apenas sobre este viés. A profundidade que Darabont dá a faceta psicológica já presente no conto de King é louvável, quando na construção do roteiro expõe problemas sociológicos universais, inserindo em um pequeno ambiente um grupo de pessoas que representa toda a sociedade contemporânea, repleta de medos e fragilidades. O filme também é carregado de metáforas religiosas, geralmente envolvendo a pseudo-profetisa Sra. Carmody que, em meio ao caos proveniente da situação extrema que todos enfrentam, passa a divulgar que tal ocorrência é sinal do fim dos tempos. Outras análises interessantes podem ser feitas visando a vulnerabilidade e fragilidade de alguns personagens, o ceticismo de outros, e a forma com que as pessoas reagem frente ao evento sobrenatural.

O mérito do filme também se deve em parte ao ótimo elenco presente na produção. Thomas Jane definitivamente se redime após o fiasco de O Apanhador de Sonhos, outra adaptação recente de Stephen King. O ator, que pouco demonstrou sua capacidade dramática em outros projetos, tem em O Nevoeiro seu melhor papel, e não o desperdiça. Márcia Gay Harden chega a um status de coadjuvante que fascina. A atriz, que venceu um Oscar nessa categoria por Pollock, faz da Sra. Carmody uma personagem muito crível, e em cada momento que aparece na tela evidencia seu grande talento. O filme ainda conta com menores participações de Andre Braugher e Toby Jones, que também merecem reconhecimento.

Dos suspenses lançados constantemente pelo cinema americano, gênero saturado que vive fase composta por vários remakes, poucos merecem mérito por serem inovadores. O Nevoeiro é um desses filmes, assim como o recente Possuídos, de William Friedkin. Nas mãos de outros realizadores, o conto de King seria veículo para sustos fáceis e pouco desenvolvimento de personagens e trama, como foi o recente 1408, dirigido pelo limitado Mikael Håfström. Podemos agora esperar que Frank Darabont continue a trabalhar em suas ótimas adaptações, sendo seu próximo projeto anunciado uma nova versão para o livro Fahrenheit 451. 

Comentários (4)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 30 de Novembro de 2013 - 15:17

Muito bom. Finalmente um terror de King bem adaptado. E que final perturbador.........

Patrick Corrêa | segunda-feira, 28 de Abril de 2014 - 00:27

Excelente filme! Me deixou tenso e assustado em várias cenas.
Texto bem escrito também. Só não concordo com relação aos efeitos não terem sido tão bons. Comigo funcionaram bastante bem.
Já a média tá equipe está super baixa. 🙁

Silvia Lima | sexta-feira, 23 de Junho de 2017 - 12:45

Gosto do filme. Me pareceu q p o diretor as metaforas eram tao ou mais importantes q os efeitos especiais sao mesmo bem amadores.os monstros nao competem com a proposta do filme. No final somos frutos de nossas escolhas e p algumas nao tem concerto.

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