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Críticas

Cineplayers

Depois do primeiro tiro.

7,5
A cena inicial é agitada. Um grupo persegue um homem fardado numa escapada sobre muros e telhados durante a noite, sob luzes de postes e ao som de gritarias na rua. Cena bem coreografada e até desesperadora, já que seguimos um plano-sequência a partir da ótica da câmera sobre a grua que passeia pelo cenário encontrando o homem em fuga, como um felino evadindo do local de caça até uma inesperada queda. Então há um corte. A história salta para o passado e conhecemos Júlio Santana, um pistoleiro, cuja trajetória nos é contada.  

Henrique Goldman, que há alguns anos filmou a cinebiografia de Jean Charles (2009), contando a infeliz passagem do brasileiro em Londres, volta a direção com um outro trabalho relacionado a violência, também baseado em um fato real. Na circunstância anterior, a vida despedaçada de um homem buscando alguma oportunidade em outro país. Aqui, a vida comprometida de um jovem pobre sonhando ser alguém importante. Então acompanhamos Júlio, que sai de uma pequena chácara atrás de oportunidades na cidade, embaixo do escaldante sol no Tocantins.  

Na chácara era pouco produtivo e constantemente alvo de críticas da família, principalmente do pai. Um tio militar então lhe oferece a chance de sair daquele lugar e ir para a cidade, onde poderia ganhar algum dinheiro fazendo qualquer outra coisa. Júlio era um talentoso atirador e muito poderia contribuir com os negócios dele, que não necessariamente dizia respeito as funções dentro da delegacia. Segundo o tio, Cícero, bastava Júlio vestir uma farda da polícia e sair pelas ruas. No interior, seria respeitado e ninguém desconfiaria. O serviço era simples: matar. 

O roteiro trabalha bem a personalidade de Júlio, demonstrando cordialidade, jeito simples e questões subjetivas sobre o que aprendeu a respeito do considerado certo ou errado. Da adolescência à idade adulta, a maturidade frente a suas experiências o transforma, mas jamais lhe rouba a ternura, no entanto torna-o cruel. Cruel porquê precisa ser cruel. Cruel porquê ser cruel lhe garante a subsistência. Conforme Cícero, não é Júlio quem mata, é Deus. Ele faz o serviço, mas quem decide se vive ou se morre? O filme explora vias curiosas para construir o código de ética do matador implacável, responsável pela morte de quase 500 pessoas.   

A narrativa é episódica e bem desenhada ao longo de todo o filme. A tela mostra de tempo em tempo o número correspondente ao último cadáver, contribuindo com a passagem temporal. Entendemos motivações e compreendemos os personagens por duas razões: a primeira pelo investimento do roteiro em alinhar expectativas com realidade, fazendo de seu protagonista vítima de uma circunstância. Não importa o que faça, ele não consegue sair desse ciclo. O segundo ponto refere-se à dupla principal, estando Marco Pigossi dando total dignidade a Júlio enquanto André Mattos, soberbo na pele de Cícero, convence com versatilidade e carisma, introduzindo o espectador à podridão do universo onde vive.

O diretor Henrique Goldman é um cineasta cinéfilo e demonstra conhecimento técnico ao abarcar um conjunto de cenas de violência para representar o valor da educação, já que seu protagonista é levado por conjunturas as quais ele mostra-se incapaz de questionar. A diferença entre certo e errado parece depender do quanto a fome dói ou o quanto os sonhos ficam distantes. Ainda que não busque questionar ou aprofundar nessa ótica, explana o sentido através de metáforas nesse trabalho banhado de sangue e calculado por mortes. Aqui a morte tem um nome, mas ela atende por muitos outros. 

Ao final, mesmo que sem qualquer intenção, O Nome da Morte funciona como retratação do país, da impunidade vista na mídia e da configuração disso num meio de leis questionáveis. É o jeitinho brasileiro diante uma oferta duvidosa, mas com promessas de possibilidades e conquistas. No 1º tiro, o braço treme e o suor corta o rosto... no 492º tiro, pouca coisa importa.

Visto na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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