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Críticas

Cineplayers

O épico perdido dos anos 1990.

8,5

Os anos 1990 foram um marco no cinema americano. Unindo as referências pop tão presentes nos anos 1980 com toda a classe e bom gosto de décadas mais antigas, como 1970 e 1950, essa época acabou se consolidando como uma das mais férteis e ricas do cinema, em especial de Hollywood. Foi nesse período que emergiram grandes nomes, que hoje são já idolatrados por muitos, como Quentin Tarantino, Sam Mendes, Jane Capiom, irmãos Farrelly, M. Night Shyamalan, Paul Thomas Anderson e David Fincher; astros como Tom Hanks e Julia Roberts ganharam destaque; filmes do porte de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991) entraram para a história; animações ganharam representantes definitivos, como A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 1991), O Rei  Leão (The Lion King, 1994) e Toy Story (idem, 1995); filmes de máfia voltaram à ativa com o tão aguardado O Poderoso Chefão - Parte III, e com Martin Scorsese se aventurando no gênero em Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990); faroestes receberam boa representação quando Clint Eastwood foi premiado por Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992); o cinema independente cresceu e finalmente ganhou a notoriedade merecida; Al Pacino finalmente ganhou seu Oscar; Spielberg finalmente ganhou seus Oscar; Tim Burton conheceu Johnny Depp; Sharon Stone deu a cruzada de pernas mais famosa da história; Los Angeles - Cidade Proibida (L.A. Confidential, 1997) ressuscitou o noir clássico; Titanic (idem, 1997) virou a maior bilheteria da história até então e consolidou James Cameron como o maior nome do cinema comercial americano; Kubrick lançou seu trabalho derradeiro; George Lucas finalmente lançou o capítulo original da saga Star Wars; e Abel Ferrara entrou em seu período criativo mais rico.

E foi também nessa época que o cineasta Anthony Minghella apareceu pela primeira vez em Hollywood, enriquecendo ainda mais o período com o épico de classe que faltava para que os anos 1990 se tornassem completos. Não que tenha sido o primeiro e único épico da década, mas O Paciente Inglês (The English Patient, 1996) certamente foi o mais relevante e aclamado pela crítica, deixando Dança com Lobos (Dances with Wolves, 1990) em segundo lugar. Anunciado injustamente como um aspirante a Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), este filme foi lançado, a princípio, em pouquíssimas salas de cinema na época de premiações e conquistou assim o direito de poder concorrer a todas elas. Chegou de mansinho e acabou abocanhando todos os principais prêmios, incluindo nove estatuetas na cerimônia do Oscar. Por conta do público não ter tido tempo o suficiente para se familiarizar com ele antes dessa enxurrada de prêmios, sua bilheteria foi pífia e não foram necessários muitos anos para que caísse em parcial esquecimento.

O fato é que O Paciente Inglês sempre foi um projeto muito caro e de muita classe, exigindo assim um orçamento relativamente alto para uma proposta que provavelmente não seria tão bem aceita pelo grande público - em outras palavras, um belo elefante branco. E mesmo que tenha conseguido atingir seus objetivos com relação aos prêmios que ganhou e ao sucesso artístico que alcançou, hoje ele é injustamente menosprezado pela grande maioria. Mas se analisado individualmente e fora do seu contexto histórico, podemos afirmar que se trata de um dos filmes mais belos de todos os tempos, principalmente se lembrarmos do fato de ser a primeira grande produção de Minghella como cineasta, que apresenta tanta maturidade e bom gosto, dando até para entender a associação que muitos fizeram entre ele e Lawrence da Arábia.

Como todo bom romance de guerra, O Paciente Inglês conta com uma história de amor proibido durante algum conflito internacional – no caso, a Segunda Guerra Mundial. Em meio aos conflitos dessa época, a enfermeira Hana (Juliette Binoche) se refugia em um monastério abandonado na Itália, para cuidar exclusivamente do homem desfigurado por queimaduras causadas em um acidente de avião; o tal paciente inglês. Enquanto o homem tenta recuperar a memória e lembrar quem é, Hana também abriga no local um soldado indiano, pelo qual se apaixona. Ao mesmo tempo em que se sente confusa diante do sentimento inesperado que começa a surgir em seu coração pelo soldado, Hana passa horas ouvindo seu paciente contar sobre sua história de amor proibido com uma mulher casada (vivida por Kristin Scott Thomas), durante uma excursão de aristocratas pelo deserto do Saara.

São narradas a partir deste ponto duas histórias – a de Hana e as turbulências da guerra e de seu sentimento pelo indiano, e a do amor proibido do paciente inglês. Amarradas por um roteiro adaptado muito competente e uma direção extremamente segura e bem conduzida, essas duas tramas ganham uma solidez notável em sua totalidade. A primorosa direção de arte jamais é usada apenas como firula, mas sim como um complemento à beleza quase lírica que o romance de Michael Ondaatje adquire na lente de Minghella. Trata-se de um trabalho muito caprichado, muito bem planejado e muito feliz no cumprimento de suas propostas. Como já dito, tudo isso é englobado com naturalidade por um cineasta surpreendentemente maduro, de modo que nada soa gratuito ou artificial – um feito dificílimo de alcançar em um filme hollywoodiano sobre a Segunda Guerra.

A guerra, no ponto de vista de Minghella, não se limita aos lugares-comuns óbvios do cinema. A começar, tudo se desenrola em territórios como África e Itália, apresentando uma visão da universalidade de culturas, raças, religiões, políticas e economias presentes durante a Segunda Guerra Mundial. É um lado pouco explorado pelo cinema e mesmo pela literatura. Por conta disso prevalece o tempo todo uma atmosfera exótica e mesmo idílica, mas que na verdade nada mais faz do que enriquecer uma abordagem já vista muitas vezes antes em outros filmes com esse pano de fundo histórico. Cenas como a do paciente carregando no colo sua amante trajada de um esvoaçante vestido branco no meio do deserto alaranjado, ou dos bimotores sobrevoando este mesmo mar vermelho em meio às tempestades de areia, são tão extasiantes que sozinhas já fariam todo o filme valer a pena (isto sem contar o momento belíssimo em que o soldado indiano iça Hana até o teto de uma antiga capela, toda pintada à mão). Afinal, é um filme longo e lento, que se não fosse por sua condução ágil e sua estética hipnótica, seria bem difícil de agüentar.

A razão de todo o êxito artístico de O Paciente Inglês se chama Anthony Minghella, que trouxe toda sua experiência teatral para o filme, de modo que soube dosar seus romances de forma exata em cima de um tema já tão favorito da Academia. Sua vantagem de falar sobre a Segunda Guerra (o tema preferido das premiações de cinema) não é seu grande ponto forte, e sim sua competência, que independe dos assuntos que aborda. É um trabalho universal, que se destacou em seu tempo por conta de sua solidez e plenitude. Quase nunca é lembrado quando o assunto é cinema dos anos 1990, mesmo com sua penca de Oscar, e talvez nunca entre para a história assim como o seu sucessor de grandes premiações, Titanic, entrou. Mas uma coisa é certa: com ou sem o reconhecimento que merece, O Paciente Inglês é um filme espetacular, que deixa para trás comendo poeira mais da metade de seus tão aclamados contemporâneos noventistas.

Comentários (12)

Fábio galdino Cabral Santos | sábado, 25 de Fevereiro de 2012 - 17:27

Ótima descrição dos anos 90, faltou citar um ou dois filmes e um ou dois cineastas, mas tá de bom tamanho.

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 30 de Novembro de 2013 - 17:42

Filmaço!!!!! Que ator, o Ralph Fiennes!!! Baita cítica. Parabéns!!

Robson Nakazato | quarta-feira, 10 de Setembro de 2014 - 19:32

Pra mim é reconhecido pela seguinte: "Ah ganhou Oscar...😐"...tá e daí". A prova de que fazer um épico longuissimo, com um romance já batido tantas e tantas vezes antes, e só acrescentar cenas de sexo e nudez não valem nada. Acho se tivesse perdido nas principais categorias (Filme,Diretor e Atriz Coadjuvante) certamente conquistaria o reconhecimento.

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