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Críticas

Cineplayers

O brilho do espetáculo e da arte de Selton Mello.

8,0

O novo trabalho de Selton Mello traz o ator num solo conhecido, despojado, assemelhando-se ao tom humorístico costumeiro de seus personagens. Porém aqui está com maior intensidade e irreverência, assumindo o papel de um palhaço, refletindo em cena a alegria e a solidão. É mais do que fundamental entreter, mas para ele, também é preciso argumentar, refletir, provocar. Selton Mello não só atua, ele escreve, dirige e produz – é seu segundo trabalho como diretor. O primeiro foi o bom Feliz Natal (idem, 2008). Nesta nova obra, O Palhaço (idem, 2011), Mello fala da vida, dos sonhos, das ambições e das possibilidades. Como palhaços, frente ao público, o longa tem como um dos grandes objetivos fazer sorrir. E consegue.

O sorriso pintado no rosto não reflete o que se passa dentro do artista. Assim, com certa melancolia, esse tragicômico trabalho avança por terrenos adversos ao anunciado bom humor de seu início, e outros rumos são explorados quando percebemos a dura realidade da vida dos artistas de um circo itinerante chamado Esperança – não poderia ter um nome mais apropriado. Atravessando cidades sobre carros e caminhões velhos, o circo liderado pelo palhaço Puro Sangue (Paulo José) nunca sabe o que vai encontrar pela frente. Em seus bastidores, especulações quanto a possibilidade do sucesso da noite são dadas, centrando sobretudo nos prefeitos das cidades. As piadas referentes a eles constatam a idéia da necessidade em serem aceitos nos vários locais em que passam.

Puro Sangue é o codinome de Valdemar, pai de Benjamim (Selton Mello), que nas noites de espetáculo assume a identidade do palhaço Pangaré. O roteiro do longa propõe atravessar do riso ao choro, explicitando em diálogos e observações o que se tem feito da vida naquela transitividade sem grandes laços. Benjamim, por exemplo, não carrega mais do que uma certidão de nascimento e é quase uma figura inexistente dentro da sociedade, rodando o Brasil sem identidade e ressentindo-se pela crença da ilusão de seus feitos, almejando diariamente fugas. 

Ao conceber a idéia de O Palhaço, Selton Mello se inspirou na própria vida, numa fase desacreditada de sua carreira. No cenário de luzes brilhantes, atrás do picadeiro, resta a tristeza e escuridão. Sem falar na exploração e nos eventuais roubos que acontecem quando racham o dinheiro da arrecadação das apresentações. Mas o espetáculo não pode parar, apesar dos pesares. Benjamim sofre e idealiza outras alternativas em busca do que em sua essência verdadeiramente é. Sua ida atrás de uma garota até Passos na Aldo Auto-peças é referencia à desesperança decorrida. Há ainda o notório trabalho de fotografia de Adrian Teijido abrilhantando a obra.

Essa busca por respostas do protagonista acarreta também uma relação curiosa com um objeto: um ventilador. É como se ele precisasse do produto como completude de um vazio, seria a solução da falta que sente de coisas a qual é privado. Tal sugestão é dada em um ato por um personagem ao referir-se sobre o calor assolador. Remete, aí, ao apego a algo, a qualquer coisa que faça sentido, sem temer o absurdo que pareça. Bons personagens complementam a obra, cujas atuações dignificam. Além de Paulo José e Selton Mello em estado de graça, o elenco ainda conta com Moacyr Franco, Emílio Orciollo Neto, Jackson Antunes, Jorge Loredo e Danton Mello em breves e ótimas aparições.

Claramente inspirado em Os Trapalhões, o filme é uma alegoria suave sobre difíceis fases da vida a qual todos estão sujeitos quando se flagram perdidos em seus caminhos. Na arte de representar, alguns se encontram e o brilho do espetáculo, quando aplaudido, restabelece. Com passagens que fazem lembrar de O Sétimo Selo (Det Sjunde inseglet, 1957) de Bergman e A Estrada da Vida (La Strada, 1954) de Fellini, entre outras referências, como uma cena recordando Macunaíma (idem, 1969), obra-prima de Mário de Andrade – adaptado para o cinema por Joaquim Pedro de Andrade –, O Palhaço é uma adorável menção ao ser humano disposto a tudo para ser feliz mesmo que pareça uma proposta por vezes inatingível – e ser feliz não é uma das coisas que mais ambicionamos?

Comentários (12)

Patrick Corrêa | quinta-feira, 17 de Novembro de 2011 - 17:58

O texto está lindo e o filme faz jus aos comentários positivos.

😁

Alexandre Marcello de Figueiredo | segunda-feira, 17 de Setembro de 2012 - 18:58

Ótimas interpretações, sobretudo de Selton Mello que nos mostra alegria quando está no picadeiro e tristeza quando está fora. Gostei também das cenas em que os personagens aparecem estáticos e com cara de paisagem. Bom filme.

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