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Críticas

Cineplayers

Análise de O Palhaço mais recomendada para quem já assistiu.

8,5

O Palhaço (idem, 2011) diz muito sem precisar recorrer às falas. Essa característica também é perceptível logo no primeiro trabalho do promissor diretor Selton Mello, já consagrado na frente das câmeras. Em Feliz Natal (idem, 2008), ele também embarcou na simbologia das imagens, numa história que se diferencia desta na temática e no tom, mas que serve como complemento no estudo da melancolia, antes em nível profundo, agora como empurrão para uma bela jornada de autodescoberta.  

Selton divide um pouco de seu próprio desespero interior com a carreira e com a busca da felicidade plena. Ele mesmo confessa que várias vezes pensou em desistir por se achar uma enganação, mas que a cada bom trabalho, em sua avaliação, ganha mais combustível para seguir em frente. Interpretando Benjamin, ele mostra a angustia de não se sentir completo profissionalmente e as buscas pela identidade pessoal e por novos ares – e justamente aí reside toda a simbologia do ventilador.

Presente desde o início, o objeto figura no imaginário do personagem a todo instante após ser indagado por um amigo do circo sobre o motivo de não comprar um ventilador para refrescá-los durante as andanças pelas cidades do interior do Brasil. E os significados começam a jorrar na tela de forma sutil. Benjamin, percebe-se pela riqueza das imagens, culpa a sua falta de identidade (não se vê como pessoa sem ter um RG) por não conseguir alcançar os desejados novos ares.

Assim, a sua certidão, sua única identificação, é o passaporte para questionar quem é ele enquanto palhaço e pessoa. Homem de poucas palavras e de poucos sorrisos, o que parece contraditório para alguém que faz rir, Benjamin sonha com o objeto que dará uma ventilada em sua vida, que apontará novos rumos e que o levará a se perceber como uma pessoa completa. Mas, claro, o resultado dessa jornada pessoal nem sempre é o que se espera e, espertamente, o diretor já joga com a perda imediata de identidade de Benjamin quando este larga o picadeiro para buscar ser outro alguém – com RG, CPF e comprovante de residência, como se orgulha de dizer em determinado momento.

Ao deixar a trupe para trás, ele cai na escuridão. É esse o magnífico plano que Selton realiza ao mostrar apenas o preto da sombra do corpo de Benjamin no chão quando os veículos partem sem ele com os objetos do circo . Foi ali, na busca da nova identidade, que o palhaço imediatamente perdeu aquilo que procurava. E só com a compra do ventilador mais adiante é que as ideias de Benjamin são ventiladas, mas não da forma que imaginava, com o simbolismo da mudança.

Mas Selton não queria levar sua mensagem – bela e encantadora – apenas com tantos simbolismos mais sofisticados, o que demandaria uma plateia permissiva para significados menos palpáveis à primeira vista. Assim, buscou prender-se à cultura popular, e nada melhor do que o circo para isso, e ao humor de bom gosto. O resulto foi uma comédia de tom dramático, do riso sincero, como aquelas arrancadas pelos palhaços, mas que esconde a dor de alguém que não sabe para o que nasceu. Selton brilha na direção e na tela. Com um quê de Fellini, talvez seja um de seus melhores trabalhos como artista, senão o melhor. 

Enquanto Paulo José e Selton Mello, em atuações incríveis, brilham durante todo o filme como a dupla de palhaços responsável pela existência do circo, Moacyr Franco precisa apenas de uma cena como o delgado Justo para entregar uma esplêndida e inesquecível interpretação, com lugar guardado na história do cinema brasileiro.

Enfim, O Palhaço é lírico e muito rico não só para os dispostos a entender a angústia de Benjamin e a interpretar as belas e simbólicas passagens, mas também para os que se propõem a acompanhar a história de descoberta pessoal daquele homem, que precisa de muito menos do que imagina para ser feliz. Com a roupagem da alegria, o picadeiro, Selton conta a história de esperança, nome do circo, de um homem na busca de poder ser quem ele não sabia ser. O ventilador nem precisava ser ligado.

Comentários (7)

Vinícius Aranha | sábado, 14 de Janeiro de 2012 - 17:52

Lairton, não sei se vc sabe, mas o Paulo José tem a doença de Parkinson! Nem imagina o esforço dele para atuar, e ainda vem criticar o cara. Além do mais, ele tá sensacional em O Palhaço.

Rodrigo Torres | quinta-feira, 19 de Janeiro de 2012 - 01:40

A crítica do Lairton é legítima, Vinicius.

Ele está avaliando o ator, não o Paulo José pessoalmente. Da mesma forma que não devemos considerar orçamento, notas de bastidores, etc, para a avaliação de um filme, a vida pessoal do artista não pode ser considerada além de mera curiosidade - que neste caso estende-se para admiração pelo homem por trás do personagem.

Ainda assim, discordo da opinião do Lairton: também gosto de sua atuação... em O Palhaço, Meu País e em tantos outros trabalhos. Excelente ator! Que ele continue superando essa doença terrível e possa continuar fazendo o que faz tão bem. Ganhamos todos!

Vinicius Marins | quarta-feira, 27 de Junho de 2012 - 23:36

O Delegado Justo agora merece um trabalho só para si.

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