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Críticas

Cineplayers

We’re not in Kentucky anymore

0,5
O texto pode conter spoilers sobre a trama

Há um processo ainda mais revolucionário ou estonteante que a experiência do filme cujo impacto nas retinas alavanca os discursos pessoais à chama passional, até que não se possa considerá-la, a obra, como nada menos que digna de um panteão, o simbólico ‘dez’, a condição de primorosa; algo decerto mais estimulante ao intelecto ou ao pente corrosivo da crítica minuciosa que o filme a que se dedica o mais afiado e problemático dos olhares; e algo possivelmente de força sísmica mais considerável que o armamento político travestido de imagens em movimento, ou mesmo de estética suficientemente iconoclasta que faça tal linguagem tremer, gaguejar – este processo é a experiência do filme pura e diametralmente avesso ao gosto; aliás, aquém de qualquer sistema de mesura: não se pode chamá-lo de “ruim”, porque a indústria e a marginalidade bem souberam se aproveitar do “mau gosto”, e ainda assim, é preciso classificá-lo longe nas profundezas de um escalão que seja, por força da linguagem que quer situar, tão distante de qualquer possibilidade redentora que para sequer tocá-lo é preciso entrar nas categorias do impensável. Porque do princípio ao fim, o pisco do olho poderia muito bem ter resumido tudo.

Curioso que este The Cloverfield Paradox (idem, 2018) trate exatamente do mais alto grau de “impensabilidade”, mas antes que se fale dos pilares teóricos que embasam o paradoxo vivido nesse dispositivo de clausura espacial que é a trama, e mesmo porque não há nada a se dizer, aqui ou em qualquer lugar, da inserção dessa teoria e breve avaliação de suas possibilidades narrativas – o tal paradoxo é cuspido por um autor numa telinha televisiva num timing diegético abismal e numa pressa no mínimo desprazerosa –, antes que se avalie qualquer elemento que possa iluminar o colapso em série que é este terceiro filme, nota-se uma semelhança inversa com seu anterior, também um fracasso: se a Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane, 2016) só descobre (inventa) a ponta de seu iceberg num plot desesperado aos precipícios da resolução, o mundo, aqui, não só fica reservado às luzes neon apocalípticas disparando em cores fortes por brechas de persianas e blackouts apressados para ilustrar a novíssima crise energética na Terra, como sua tentativa de complexificá-lo com uma terceira guerra entre nações, reproduzida em microescala na nave espacial também em colapso, se perde numa tentativa de estabelecer e dar substância às conexões melodramáticas que o casal protagonista, separado desde o verdadeiro início da trama, tampouco consegue simular.

Se se fala o tempo inteiro de impossibilidades, é antes e lamentavelmente porque a estrutura ficcional não consegue se fazer crer, ao mesmo tempo em que cada parte sucedente não consegue redimir ou perpetuar a anterior – desde o início. Eis o epicentro: qualquer justificativa para caracterizar o derrape ainda maior e mais barulhento deste terceiro deve encontrar a necrose na célula inicial, que não por acaso vem a ser a mesma que a da arte que se manipulou para geri-la: o Tempo. Ora, uma vez que não é mais viável agraciar com adjetivos estanques a obra fílmica cujo louro de destaque é simplesmente não se construir por didatismos – mudança de parâmetros? Agora vale mesmo só não se apresentar num léxico viciado, ou, dito de estilo vulgar: há algo de gratificante em não ser ruim? –, a novíssima quimera sob o rótulo da Netflix ultrapassa a encenação e a montagem escolares só para atropelar todo o resto.

Não é que do nada passem a se materializar em tela situações e personagens sobre os quais nada conhecemos – não se está falando mais de Cinema? –, é que a aceleração do grande acontecimento inicial, logo impulsionada pelo fluxo serial de twists, por um lado amarra-se no pretexto (nada) inteligentemente plantado na teoria física murcha, e passa a justificar cada torção grotesca da trama debaixo do tudo-é-possível da realidade paralela e não-lógica; por outro, esquece-se que se está tratando justamente de personagens (personas), diegese (narrativa enquanto esqueleto coerente, mesmo que sua base seja uma realidade “não real”) ou espaços (orientação basilar e espécie de responsabilidade primordial que acaba como frustração da megalomania com pompa de estúdio da empresa-Netflix, que ambicionou abraçar o espaço sem saber mesmo enquadrá-lo para além de um plano fugaz que entedia mais que rompe ou engrandece).
 
Um braço some dentro de uma parede... por sumir, e a cena vexatória, que já não conseguia se disfarçar de capricho do roteiro, faz com que ele reapareça com vida e função divinatória. Magicamente, seguindo a lógica do surto ilógico, uma sucessão de ainda outros truques e viradas rodopia o horror sci-fi num thriller gore em formato resta-um, numa eterna mutação possessiva como se o verdadeiro contaminado na nave fosse o germe que nunca chegou a ser cinema. E, a bem da verdade, pode muito bem não sê-lo: quando uma obra fabrica raízes alicerçadas no hiper-possível, em qualquer dimensão ou pretexto cuja essência mesma é que tudo pode – e vai – acontecer, não só ela adormece, enfadonha, na grande possibilidade de tudo o que na verdade nunca chegou a ser, porque lidar com o paralelismo de tempos e realidades outras é assumir muito mais que o “risco” de uma parede que engole um braço por tolo ímpeto nonsense, como seu resultado bruto, palpável, é o de uma não-experiência: se de uma cena para outra o luxo do cochilo no confortabilíssimo sofá não reduz em absolutamente nada as partes ou o Todo, é antes porque, por meios desse didatismo de que tanto se tenta escapar, o espectador ao menos saberá contar um ou dois personagens a menos, restando-lhe o marasmo excruciante de aguardar até o último segundo ou vasculhar mais sabiamente pelo catálogo genérico das redes de séries – e filmes que reproduzem séries, ou ao menos tentam.

Comentários (3)

Carlos Eduardo | quinta-feira, 08 de Fevereiro de 2018 - 01:15

Prometheus sem o talento de Ridley Scott. Péssima adição à franquia que começou tão bem.

Alan Principe | domingo, 11 de Fevereiro de 2018 - 16:21

Filme péssimo. Totalmente vago. Sem amarração nenhuma. E como não citar aquele personagem brasileiro Zé ruela?

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