Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Único. Resultado de um acasalamento entre todos os tipos de genes, espécies e estilos, ainda que parido sob o mais inconfundível sangue italiano.

9,5

Espécie de reação à loucura e àquela narrativa erradia dominante no cenário do horror comercial europeu. Barilli (que fez apenas dois filmes) acende em O Perfume da Dama de Negro uma luz de consciência em plena esquizofrenia e efervescência gialli da primeira metade dos anos 70, realizando uma obra-prima solene, exuberante, que dialoga com o cinema de Polanski e de Hitchcock, que assume como esqueleto a cadência clássica repudiada pelos seus compatriotas, mas que ainda esconde lá no fundo um coração inegavelmente italiano.

A começar pelo visual extremo. Por mais que a classe do suspense inglês esteja viva em cada movimento, em cada um daqueles planos internos desenhados e cada passo que a hipnótica Mimsy Farmer dá em direção ao escuro, a euforia dos anos 70 pesa a mão na direção de arte e as composições de Barilli energizam-se de luzes, espelhos, quadros, vasos e todo tipo de tralhas coloridas e papéis de parede psicodélicos num desarranjo que parece querer encontrar sua harmonia pelas vias do caos. O curioso é essa estética toda berrante fluir tão suavemente em conluio com a sobriedade de uma câmera que captura tudo, no mais amplo e literal dos sentidos.

De Polanski, O Perfume da Dama de Negro herda sem pudores aquele climão todo metafísico que pula sem parar do plano real para o outro e que é a grande ‘prisão pros sentidos’ em O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968). Inútil dizer que “o diretor confunde o onírico e o tangível etc.” porque – e daí a principal diferença para a obra de Roman Polanski –, sinceramente, não há distinção; não há o que aconteceu e o que poderia ter acontecido, não se pode especificar onde termina um e onde começa o outro porque eles não chegam a existir realmente em algum momento. Barilli joga o filme a um andar onde tais valores são irrelevantes. O Perfume da Dama de Negro simplesmente flui não importando se há de fato uma conspiração, se há um feitiço, um mecanismo de ilusões, influência do Cão... Tudo, não importa o que seja, torna-se verdade num filme que te faz acreditar no que ele bem entender.

O controle é absoluto. Poucas vezes a manipulação de elementos e atmosfera foi tão eficiente em produzir as mais estranhas sensações. Em cada “presente” que ela recebe, cada aparição da mãe ou da menina, cada cena em que Barilli faz de Mimsy Farmer mais um dos vários objetos pra composição de cena em algum plano dentro do apartamento que, sob a lente do italiano, traveste-se de uma outra e macabra dimensão. Isso fora a trilha extraordinária que te desafia a não olhar para trás em cada momento que resolve aparecer.

É horror climático, é psicológico, claustrofóbico, sobrenatural, gótico, giallo… E é lindo acima de tudo. Porque há uma sincronia e um senso de unidade tão perfeito funcionando secretamente entre esses elementos que eles acabam, por mais díspares, fundindo-se num só, e o único gênero no qual O Perfume da Dama de Negro acaba mesmo se encaixando é aquele dos filmes absolutamente inesquecíveis.

Comentários (0)

Faça login para comentar.