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Críticas

Cineplayers

Spike Lee retorna ao cinema com um grande filme, que funciona em muitas camadas.

8,0

Após lançar um punhado de filmes que quase ninguém viu, Spike Lee volta aos holofotes após a sua obra-prima lançada em 2002, A Última Noite, onde analisava e humanizava o comportamento de um futuro presidiário uma noite antes dele ir para a cadeia. O Plano Perfeito é mais um filme inspirado pelo grandioso clássico Um Dia de Cão, com Al Pacino. Na superfície, mais uma obra técnica sobre engenhosidades criminosas. Nesse sentido, é um filme ordinário, mas felizmente, se analisarmos um pouco mais a fundo, vamos ver que além do excelente trabalho técnico por trás do esforço de levar esse filme às telas (como usualmente acontece com o diretor), há aqui também um algo mais, implícito em diversos de seus personagens, que merece ser observado.

Um dia normal em Nova York. Um ousado assalto a banco. Dezenas de reféns dentro da agência e outras dezenas de peritos e policiais fora dela. Demora um bocado até o detetive Keith (Denzel Washington) e consequentemente o espectador descobrirem que há algo mais por trás daquilo tudo do que um “simples” assalto à banco. O bandido Dalton (Clive Owen, que já mais do que confirmou sua boa reputação para papéis grossos) tem carisma e parece ser um desafio à altura para a engenhosa NYPD e seus detetives especializados. Enquanto isso, o dono da rede de agências bancárias tem um segredo que não pode deixar escapar de suas mãos, e contrata Madeline (Jodie Foster, em papel menor do que acostumada a ter) para certificar-se que ele não fugirá juntamente com os bandidos.

Há aí, como é óbvio observar, uma rede muito grande de intrigas, interesses e sub-enredos. O assalto ao banco serve, assim, apenas como uma cortina para todas essas tramas menores, mas não menos interessantes. Nesse momento fica fácil ver por que Spike Lee é um diretor diferenciado. Ele sabe criar, a partir de situações urbanas clichês, boas análises do comportamento humano. Também é bom descobrir que ele não se repetiu em sua carreira, limitando-se a analisar os efeitos do racismo: o ser humano pode ser tão mais sujo com outros temas. Em O Plano Perfeito, ninguém é perfeito, todos possuem seus segredos e mentiras, não há heróis nem bandidos. Todos querem levar o seu ou se safar no final. Desde o simples operário até o prefeito da cidade: a corrupção está em todo lugar, e é ela a válvula propulsora dos contos de Spike.

Há, assim, muito mais camadas de interesse do que se o diretor permanecesse em seu tempo de Faça a Coisa Certa. Por isso vale dizer que, embora na superfície este seja um filme sobre assalto a banco, na realidade é muito mais complexo do que filmes recentes como Crash - No Limite. Sua sutilidade é o que dá o realismo. A média da população não fala ou age como os personagens de Crash, por exemplo, mas vive como os personagens deste novo trabalho de Spike Lee. E é ótimo quando percebemos que há inteligência suficiente para misturar cinema-entretenimento (todo o plano do assalto é inteligente, divertido e prende a atenção) com cinema-verdade, aquele que serve para chamar a atenção, criticar as pessoas, dar um pontapé na bunda dos hipócritas. Quando esses dois elementos se misturam, tanto público quanto crítica ficam felizes, e todos saem ganhando.

Tecnicamente é um trabalho maravilhoso. Conseguir criar conteúdo visual com certa originalidade hoje é para poucos. Mas há algumas cenas neste filme que conseguem esse feito. A edição é rápida e dinâmica, mas sem exageros. Foi também bem acertada a escolha do diretor em colocar cenas de DEPOIS do assalto durante sua execução. Deu maior agilidade, não prolongou demais o final (que já ficou um pouco alongado) e trouxe interesse especial a cada um dos reféns, que são personagens menores mas com personalidade, o que é raro acontecer nesse gênero. Geralmente, pega-se um ou dois reféns e se desenvolve eles, para criar cenas de tensão. Aqui não: todos têm suas histórias e seus medos, e Spike deu tempo a todos para aparecerem. Há planos muito bonitos (os planos superiores de alguns cenários) e o uso da música de forma ativa fez com que alguns momentos ganhassem ares auto-importantes, dando um efeito interessante às cenas mais tensas. A trilha sonora, claro, é composta de som urbano característico dos filmes do diretor, mas aqui geralmente sempre foi bem empregada.

O Plano Perfeito configura-se, dessa forma, como o melhor filme do ano até o presente momento e Spike Lee ratifica-se como um grande diretor. Para o espectador que gosta do melhor dos dois mundos – roteiro inteligente e diversão – este é um filme muito interessante, provando que ambos podem coexistir, se existir paixão e trabalho dedicado por parte dos produtores, além, é claro, de talento natural. Vale lembra, por outro lado, que o filme não pode ser um exemplo de perfeição: fora parte de sua técnica, não há nada realmente original nele (e mesmo sua técnica fica apenas bem acima da média, não representando nenhuma quebra de paradigma para o cinema), nem suas atuações são dignas de importantes premiações. O destaque aqui ficou mesmo com o conjunto da obra, como dizem. Muito mais do que recomendado!

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 03 de Dezembro de 2013 - 16:05

Muito bom, esse filme. Até Clive Owen está bem. Lee acertou em cheio

MORENO | domingo, 20 de Setembro de 2015 - 08:34

Spike Lee mostrando que não se restringe a temática racial (ela aparece no filme mais sendo sútil e ao final), o foco é mais o suspense e o duelo psicológico dos personagens de Washington e Owen, ambos em boas atuações.

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