Spike Lee retorna ao cinema com um grande filme, que funciona em muitas camadas.
Após lançar um punhado de filmes que quase ninguém viu, Spike Lee volta aos holofotes após a sua obra-prima lançada em 2002, A Última Noite, onde analisava e humanizava o comportamento de um futuro presidiário uma noite antes dele ir para a cadeia. O Plano Perfeito é mais um filme inspirado pelo grandioso clássico Um Dia de Cão, com Al Pacino. Na superfície, mais uma obra técnica sobre engenhosidades criminosas. Nesse sentido, é um filme ordinário, mas felizmente, se analisarmos um pouco mais a fundo, vamos ver que além do excelente trabalho técnico por trás do esforço de levar esse filme às telas (como usualmente acontece com o diretor), há aqui também um algo mais, implícito em diversos de seus personagens, que merece ser observado.
Um dia normal em Nova York. Um ousado assalto a banco. Dezenas de reféns dentro da agência e outras dezenas de peritos e policiais fora dela. Demora um bocado até o detetive Keith (Denzel Washington) e consequentemente o espectador descobrirem que há algo mais por trás daquilo tudo do que um “simples” assalto à banco. O bandido Dalton (Clive Owen, que já mais do que confirmou sua boa reputação para papéis grossos) tem carisma e parece ser um desafio à altura para a engenhosa NYPD e seus detetives especializados. Enquanto isso, o dono da rede de agências bancárias tem um segredo que não pode deixar escapar de suas mãos, e contrata Madeline (Jodie Foster, em papel menor do que acostumada a ter) para certificar-se que ele não fugirá juntamente com os bandidos.
Há aí, como é óbvio observar, uma rede muito grande de intrigas, interesses e sub-enredos. O assalto ao banco serve, assim, apenas como uma cortina para todas essas tramas menores, mas não menos interessantes. Nesse momento fica fácil ver por que Spike Lee é um diretor diferenciado. Ele sabe criar, a partir de situações urbanas clichês, boas análises do comportamento humano. Também é bom descobrir que ele não se repetiu em sua carreira, limitando-se a analisar os efeitos do racismo: o ser humano pode ser tão mais sujo com outros temas. Em O Plano Perfeito, ninguém é perfeito, todos possuem seus segredos e mentiras, não há heróis nem bandidos. Todos querem levar o seu ou se safar no final. Desde o simples operário até o prefeito da cidade: a corrupção está em todo lugar, e é ela a válvula propulsora dos contos de Spike.
Há, assim, muito mais camadas de interesse do que se o diretor permanecesse em seu tempo de Faça a Coisa Certa. Por isso vale dizer que, embora na superfície este seja um filme sobre assalto a banco, na realidade é muito mais complexo do que filmes recentes como Crash - No Limite. Sua sutilidade é o que dá o realismo. A média da população não fala ou age como os personagens de Crash, por exemplo, mas vive como os personagens deste novo trabalho de Spike Lee. E é ótimo quando percebemos que há inteligência suficiente para misturar cinema-entretenimento (todo o plano do assalto é inteligente, divertido e prende a atenção) com cinema-verdade, aquele que serve para chamar a atenção, criticar as pessoas, dar um pontapé na bunda dos hipócritas. Quando esses dois elementos se misturam, tanto público quanto crítica ficam felizes, e todos saem ganhando.
Tecnicamente é um trabalho maravilhoso. Conseguir criar conteúdo visual com certa originalidade hoje é para poucos. Mas há algumas cenas neste filme que conseguem esse feito. A edição é rápida e dinâmica, mas sem exageros. Foi também bem acertada a escolha do diretor em colocar cenas de DEPOIS do assalto durante sua execução. Deu maior agilidade, não prolongou demais o final (que já ficou um pouco alongado) e trouxe interesse especial a cada um dos reféns, que são personagens menores mas com personalidade, o que é raro acontecer nesse gênero. Geralmente, pega-se um ou dois reféns e se desenvolve eles, para criar cenas de tensão. Aqui não: todos têm suas histórias e seus medos, e Spike deu tempo a todos para aparecerem. Há planos muito bonitos (os planos superiores de alguns cenários) e o uso da música de forma ativa fez com que alguns momentos ganhassem ares auto-importantes, dando um efeito interessante às cenas mais tensas. A trilha sonora, claro, é composta de som urbano característico dos filmes do diretor, mas aqui geralmente sempre foi bem empregada.
O Plano Perfeito configura-se, dessa forma, como o melhor filme do ano até o presente momento e Spike Lee ratifica-se como um grande diretor. Para o espectador que gosta do melhor dos dois mundos – roteiro inteligente e diversão – este é um filme muito interessante, provando que ambos podem coexistir, se existir paixão e trabalho dedicado por parte dos produtores, além, é claro, de talento natural. Vale lembra, por outro lado, que o filme não pode ser um exemplo de perfeição: fora parte de sua técnica, não há nada realmente original nele (e mesmo sua técnica fica apenas bem acima da média, não representando nenhuma quebra de paradigma para o cinema), nem suas atuações são dignas de importantes premiações. O destaque aqui ficou mesmo com o conjunto da obra, como dizem. Muito mais do que recomendado!
Muito bom, esse filme. Até Clive Owen está bem. Lee acertou em cheio
Spike Lee mostrando que não se restringe a temática racial (ela aparece no filme mais sendo sútil e ao final), o foco é mais o suspense e o duelo psicológico dos personagens de Washington e Owen, ambos em boas atuações.