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Críticas

Cineplayers

Uma grande celebração da cultura afro, sem recorrer ao panfletarismo.

7,5

 

“Apaguem as luzes e tragam mais negritude.”
James Brown, em 1974, durante apresentação na África

 

Assim como outros grandes festivais da história da música, o Zaire 74 nasceu puramente de um sonho: reunir em um país da África, no mesmo palco, apresentações de estrelas da black music dos Estados Unidos com grandes nomes da cena musical africana, combinando o que havia de melhor  e mais relevante na cultura afro dos dois lados do Atlântico. E mais: num ato de grande simbolismo, levar estas estrelas do show business norte-americano para apresentar seu trabalho na terra natal, justamente no berço dessa forma de música cheia de suingue, batidas e gingado que, salvo exceções, só o negro é capaz de reproduzir.

O ano era 1974, portanto um festival de música popular nesta época ainda estava bem distante do circo midiático e do corporativismo que inunda a indústria cultural atualmente, cada vez mais dependente do patrocínio e das estratégias de marketing das grandes multinacionais. E como não havia dinheiro algum e apenas uma ideia na cabeça, os realizadores Hugh Masekala e Stewart Levine fizeram uma proposta ao empresário do boxe, Don King, de combinar o festival com uma luta pelo título que King estava organizando entre Muhammad Ali e George Foreman.  King já havia convencido o presidente da República Democrática do Congo (antigo Zaire) a financiar e providenciar um local para a luta.  Mobutu Sese Seko concordou em acolher o festival, mas se recusou a dar apoio financeiro.

O Poder do Soul  é um filme brilhante que conta, apenas com imagens de arquivo, como este sonho foi possível. Fala por si só, não faz uso de muletas tão típicas de documentários autoexplicativos. Sem recorrer a depoimentos atuais ou textos narrado em off, a narrativa flui por meio de uma edição que, exibindo desde imagens da construção do palco às apresentações dos músicos, revela a história da criação deste evento histórico.

Como linguagem de cinema, o documentário não poderia ser mais condizente com o ímpeto juvenil que fomentou o festival. Câmera constantemente na mão, imagens tremidas, repletas de zoom e movimentos caóticos são as características destas cenas de arquivo, registradas em película 16mm. O que poderia ser interpretado como uma falha técnica é relevada pela beleza natural das imagens, tão característica do cinema dos anos 70, com uma atmosfera retrô, e que caracterizam a própria urgência e tensão que envolvia o projeto. A  direção / edição coube a Jeffrey Levy-Hinte, que teve de optar, entre 125 horas de gravação, pelas imagens que compões os 93 minutos de filme na versão final.

Declarações de Don King sobre sua habilidade em conseguir viabilizar o evento financeiramente são intercaladas com imagens da construção do palco das apresentações. Se de um lado temos um Muhammad Ali verborrágico fazendo analogias entre a selva da África com a selvageria da violência nas ruas de Nova York, há na sequência imagens da apresentação de James Brown intercaladas com a de grupos de musica tipicamente africana. Bill Whitters e B.B. King também fazem seus espetáculos. As imagens dos três dias de apresentações estão presentes ao longo do filme, mas encontram o momento apoteótico e de maior concentração no terço final de projeção.

Filmes com bastidores de shows e festivais sempre foram um sub-gênero dentro do musical, e o lançamento de importantes títulos recentes, como o This is It, dão sinais de que, em tempos de reality shows, há uma demanda por esse tipo de material. Outros, como Aconteceu em Woodstock, anunciam para um saudosismo que existe com relação aos festivais de musica de décadas atrás, pelo significado e idealismo que representavam.

Dada a importância do Zaire 74, e diante da exibição de Soul Power, fica evidente que a realização deste filme era de fato indispensável. Se a luta entre Ali e Foreman, que fazia parte do mesmo evento gerou Quando Éramos Reis (1996), documentário ganhador do Oscar, nada mais natural que a parte musical do festival também fosse contada através do cinema. O Poder do Soul é a celebração de um legado cultural. Quando percebemos o quão contagiante é essa musica, fica implícita uma manifestação de orgulho negro – e é aí que reside o poder da arte.

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