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Críticas

Cineplayers

Entre Monet e Tati, menos é mais.

8,0

Le Havre é o nome de uma pequena comuna francesa, onde se passa a ação deste novo filme de Aki Kaurismäki, diretor finlandês cujo universo já conhecemos, mas cujo frescor parece não se esgotar. Por engano, um garoto africano cujo destino seria a Inglaterra aporta na comuna, onde encontra, por acaso, Marcel Marx, um peculiar e simpático engraxate que irá fazer tudo para proteger o garoto das garras da lei, que, na figura do detetive Monet, fará de tudo para prendê-lo e deportá-lo.

Uma história simples, como habitual em Kaurismäki, cuja preciosa e singular mise-en-scène se mostra aqui bastante afiada, construindo calorosa e economicamente todo um universo próprio: a decupagem de cena é lindamente econômica, os enquadramentos precisamente pensados para que neles se dê a presença igualmente concisa dos movimentos dos corpos.  Já é lugar comum trazermos Robert Bresson ao lidarmos com a encenação de Kaurismäki, e a aproximação é obviamente pertinente já que ambos, em certa medida, lidam com os atores como modelos buscando certo efeito de teatralidade – efeito que em Kaurismäki encontra par em outra de suas refências: Jacques Tati e sua absoluta integração entre espaço, objetos e corpos.

A partir dessa articulação, pois, Kaurismäki cria esse micro universo levemente suspenso, como se assistíssemos a um pequeno e irônico conto de fadas que, no entanto, nunca abandona seu lastro provocativo,  irônico e político. Esse jogo entre “sério” e “não sério” é parte decisiva do cinema do finlandês: aqui, ao mesmo tempo em que o tema da imigração ilegal aparece com inegável intenção crítica, o tom geral é de uma comédia de costumes descompromissada, que se interessa em percorrer a curiosa geografia humana composta pelos personagens de Le Havre.

Mas mesmo esse olhar traz algo de libertário consigo: sempre dispostos a ajudar o garoto, representam como que uma pequena fraternidade anárquica, que saberá defender a liberdade da sanha do Estado. Mas tudo sob um clima de humor ameno e levemente surtado de Kaurismäki: o personagem do detetive, por exemplo, se chama Monet – uma brincadeira com o gênio impressionista, nascido efetivamente em Le Havre. Pintar a aldeia é pintar o mundo?

Visto no Festival de Cannes 2011.

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