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Regresso, O

(Revenant, The, 2015)
7,8
Média
630 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Entre excessos, um western cru e digno.

8,0
O cinema de Iñárritu sempre foi selvagem: um acidente de carro que muda a vida de pessoas, um ator em uma selva de pedra sendo redescoberto, o modo como um rifle em um local isolado do mundo acarreta um efeito borboleta em um monte de gente; é essencial notar como nada é mais brutal do que o próprio ecossistema natural de O Regresso (The Revenant, 2015). O homem, nesse mundo, é um mero carro desgovernado a mercê do clima, de outros animais e, porque não, de sua própria espécie, facilmente sem um papel em um mundo vasto e perigoso.

É fácil dizer que o mote básico do filme é a vingança, mas enquanto a história (real) de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) é contada, um guia que faz parte de um grupo que caça valiosas peles e que é deixado para morrer depois de um feroz ataque de um urso, notamos que a urgência de todos aqueles personagens que cruzaram seu caminho é, na verdade, uma só: sua sobrevivência. Sem maiores pretensões na vida, todos ali tem um motivo básico que os levam a frente. No caso de Glass, é encontrar e acertar as contas com John Fitzgerald (Tom Hardy), mas o próprio também tem os seus interesses desenvolvidos pelo longa. Nada, nunca, está preto no branco como o cinema americano está acostumado a fazer. No fundo, são pessoas desesperadas fazendo coisas honrosas ou questionáveis para viverem um pouco mais em um ambiente extremamente hostil - em certo momento, uma avalanche (também real) vem na direção de um personagem, que apenas a observa, passivo sem seu poder de reação perante a atual situação.

Se Iñárritu acaba se descontrolando um pouco ao demonstrar uma mão pesada ao longo de seus demorados 156 minutos de projeção, principalmente no excesso de lirismo e nas aparições sobrenaturais óbvias que assombram o personagem de DiCaprio, o mesmo não pode ser dito do poder imagético que o filme acaba assinando: buscando ser épico e real a todo momento, a fotografia de Emmanuel Lubezki é uma atração a parte e pode lhe dar o terceiro, e o mais merecido, Oscar seguido. Todo feito em luz natural em filmagens que devem ter sido um inferno para serem realizadas, a beleza estética do longa atualiza o western para uma era com mais definição de imagem, disposta a captar com perfeição uma aurora boreal ou os pequenos raios solares de uma região coberta de neve e desesperança. Quando o verde aparece em tela, ele logo é engolido pela realidade cruel e impiedosa, servindo mais como um falso alívio rapidamente desconstruído por mais e mais cenas torturantes. É um filme escuro mesmo lotado de branco, e isso é bem curioso de se notar.

Visceral, o longa não poupa o público de sua selvageria. Serão muitos cortes explícitos, dedos arrancados, flechadas certeiras e machucados mortais, tudo banhado à sangue que espirra e bandagens totalmente precárias que sabe-se lá como não infeccionam ferimentos ao invés de sará-los. Um dos grandes trunfos do longa: transformar todo esse martírio em poesia. Se há excesso no lirismo, é verdade, a beleza estética como cinematografia é esplendorosa. Como estamos falando de um cineasta autoral e de um fotógrafo que sempre testa seus próprios limites, é óbvio que iremos encontrar planos-sequência já característicos dos nomes envolvidos que agregam valor artístico à obra. O combate inicial, em especial, chama a atenção pelo nível técnico e pela perfeita execução de dias e mais dias de exaustivos ensaios. Filmes que se exigem tanto assim e se esforçam para sair do lugar comum merecem ser vistos com mais carinho e atenção.

Seria injusto se O Regresso fosse lembrado apenas pela atuação magistral de DiCaprio e sua devoção ao personagem - fato que pode ocorrer se ele finalmente levar o seu merecido Oscar depois de bater na trave por quatro oportunidades. Vegetariano, o ator se entrega até à carne vermelha, pouco fala e equipa um casaco de urso real de cinquenta quilos naquele que pode ser o grande papel de sua carreira. Porém, o filme é bem mais do que DiMonstroCaprio. Tom Hardy mesmo, por exemplo, desponta cada vez mais como um ator de alto nível - está nos dois melhores filmes comerciais do ano, coadjuvante em ambos, é verdade, mas não menos marcante -, dono de uma voz inconfundível e um olhar que sempre fala muito mais do que pode parecer a primeira vista. Será um dos grandes e mais caros nomes de Hollywood nas décadas a frente.

Além das interpretações convincentes, há conteúdo relevante como a temática da construção cível americana, o limite do ser humano sendo testado, a discussão sobre o racismo com os índios e a violência dos mesmos ao reivindicar retorno por suas terras ocupadas... Enfim, dá para ir longe se desenvolvermos todos os temas que o filme, de forma leve ou aprofundada, aborda. Não, não é apenas uma história de vingança. É um western completo com sangue, tiros e personagens que nada têm a perder. Tem seus excessos, poderia muito mais ter se concentrado na jornada da sobrevivência, mas é um grande filme, impactante, épico, enérgico e que usa o poder do cinema como poucos trabalhos esse ano fizeram. Vencendo ou não um Oscar, certamente merece sua atenção.

Comentários (20)

Hudson Borgato. | segunda-feira, 08 de Fevereiro de 2016 - 10:23

É inegável, Hardy vem se mostrando um ator interessantíssimo, artisticamente falando, ainda é limitado, mas tem carisma e estrela para estar no lugar certo e na hora certa.

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