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Retorno de Mary Poppins, O

(Mary Poppins Returns, 2018)
6,7
Média
59 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Revisando Mary Poppins.

8,0
O Retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns, 2018) é o novo filme em live-action da Disney e mais um a seguir a atual tendência do estúdio de revisitar seus antigos sucessos. Embora seja difícil desvincular o filme dessa tendência, há, no entanto, uma justificativa mais bem resolvida para esta continuação do que para outras das refilmagens, sequências e prólogos do estúdio. Em primeiro lugar, isso se dá porque Mary Poppins é uma personagem, em mais de um sentido, de qualidade atemporal. Enquanto Jane e Michael Banks cresceram e são agora adultos, este habitando a mesma casa 17 na Cherry Tree Lane com seus filhos, para Mary Poppins, um ser de misteriosa mágica, o tempo não age da mesma forma, permitindo-a voltar para ajudar a nova família Banks em um momento de necessidade.

Esse retorno é também facilitado pela grande competência do filme, na direção de Rob Marshall, mas também no texto, no aparato técnico da direção de arte, figurino, efeitos visuais, animação e atuações, de produzir uma sensação afetiva de se estar assistindo algo muito próximo do filme anterior, o clássico Mary Poppins (1964), dirigido por Robert Stevenson e estrelado por Julie Andrews e Dick van Dyke. O Retorno de Mary Poppins conquista, assim, algo muito raro, ainda mais se considerarmos que o filme original é relativamente sortudo: um dos poucos live-actions de sucesso da Disney na sua época, conquistando uma indicação para o Oscar de Melhor Filme e a fama de ter lançado Julie Andrews, antes uma atriz aclamada do teatro e da televisão, aos cinemas.
 
Para considerarmos, no entanto, como é que essa sensação de Mary Poppins retorna mais de 50 anos depois, é preciso que nos perguntemos o que Mary Poppins representava em primeiro lugar. Adaptado dos livros infanto-juvenis de P. L. Travers, Mary Poppins celebrava ironicamente - de um modo bem “americanizado”, diga-se - um estilo de vida e cultura britânicos. O filme sugere a disneificação desse universo londrino e tinha o que precisava para fazer isso perfeitamente: uma nova estrela britânica com alguns anos de sucesso na Broadway, um astro da comédia hollywoodiana e a capacidade da Disney para a criação visual (e musical) de novos universos de fantasia.

O que O Retorno de Mary Poppins faz é manter o que pode do universo fílmico original e respeitar o que não pode ser mantido. Enquanto o trabalho de arte, desenho de produção e cenografia nos reaproximam do mundo que o primeiro filme revelou aos cinemas há meio século, o texto e as atuações sustentam as mudanças também necessárias para dar um sentido de continuidade ao universo. O que é curioso, porém, é que tanto essa nova interpretação da personagem por Emily Blunt quanto o roteiro de David Magee se afastam do filme anterior apenas à medida que se aproximam da obra de Travers.

A Mary Poppins de Blunt é uma personagem bem mais sisuda que a originada por Andrews nos cinemas. Enquanto as duas compartilham da alusão a uma bondade intrínseca, a performance de Andrews sugere uma falta de consciência de Poppins sobre a sua própria irreverência, como se ela fosse pretensamente ingênua em relação a si mesma. Blunt, já bem mais autoconsciente em cena (algo inevitável, considerando que a atriz assume o que agora se tornou uma das personagens mais icônicas do cinema), compõe uma personagem que sabe quem é e os efeitos que ela mesma tem na casa dos Banks.

Uma revisão interessante que O Retorno de Mary Poppins propõe em relação ao filme original é a oposição a uma ideia de família nuclear (como um alicerce moral da sociedade) que este fortalece. Enquanto Mary Poppins se resolve pela aproximação dos pais com os filhos (criticando a dedicação exclusiva do Sr. Banks ao trabalho no banco e a participação da Sra. Banks no movimento sufragista), O Retorno de Mary Poppins já parte de um contexto em que o retorno da família nuclear não é uma das possibilidades. Michael Banks (Ben Whishaw) é viúvo e cria seus três filhos com a ajuda da irmã, Jane (Emily Mortimer), uma mulher engajada na causa sindical (o que o filme, desta vez, vê com bons olhos, como um dado da bondade de Jane, e não de sua negligência com a família).

Outra novidade interessante são os filhos de Michael Banks, que, diferentemente do pai e da tia, não são crianças incontroláveis que devem ser disciplinadas, mas sim personagens que assumem para si uma série de responsabilidades com a morte da mãe e que devem, desse modo, ser reeducados por Mary Poppins a experimentar a irreverência e a falta de sentido da infância. Aqui chegamos a outro ponto em que o novo filme é quase tão bem sucedido quanto o filme anterior: a criação de pequenas aventuras episódicas, desconectadas entre si e que dão, ao filme, um caráter de coletânea de pequenas histórias. Em uma dessas curtas histórias, quando os irmãos Banks e Mary Poppins mergulham no mundo ilustrado do jarro da mãe, o filme alcança com absoluta perfeição o objetivo de reproduzir um outro momento do cinema, a ingenuidade de uma animação tradicional que é contemporânea (ou até anterior) ao primeiro Mary Poppins.

O Retorno de Mary Poppins é o filme mais adequado ao tipo de direção que Rob Marshall propõe (episódica e de rompimento frequente da diegese em favor do espetáculo) e uma sucessão digna do filme original, sabendo quando respeitá-lo, revisá-lo e quando, também, afastar-se dele. O novo filme, arrisco dizer, está mais próximo do que P. L. Travers parecia idealizar em uma adaptação da sua personagem. Não cabe a mim, enfim, julgar se esse tipo de personagem e universo responde ao público do cinema hoje, mas é notável que o filme encontra, em seu investimento nostálgico, uma mesma qualidade de atemporal, uma habilidade de se referir a outros contextos, de participar, hoje, de outros momentos do cinema. Com que força o filme será capaz de sustentar essa qualidade só o tempo e as novas voltas dos ventos do Norte dirão.

Comentários (1)

Carlos Eduardo | quinta-feira, 27 de Dezembro de 2018 - 02:44

Arrisco dizer que a seqüência superou o original e representa uma retomada pra Rob Marshall depois de tantos desastres pós-Chicago. É um filme mais equilibrado, de ritmo melhor e o elenco então nem se fala. Respeita o original sem ficar na sua sombra e cria números musicais belíssimos apoiando um roteiro simples e de uma ingenuidade deliciosa que está em falta hoje em dia. Emily Blunt arrasa.

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