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Críticas

Cineplayers

Drama sobre cobiça e ambição primoroso por conta dos ótimos personagens e suspense intenso.

9,0

Filme europeu falado em vários idiomas (francês, inglês, espanhol e italiano, entre outros), algo raro para a época, O Salário do Medo é, hoje, uma obra-prima menor, mas não menos impressionante, do que os grandes filmes de sua década, os anos 1950. Se fosse americano, certamente teria um lugar muito mais agradável ao sol. Mas coloquemos um pouco de justiça no trabalho do diretor francês Henri-Georges Clouzot (responsável pela também obra-prima As Diabólicas, em 1955). A obra foi a primeira premiada no mesmo ano pelos importantíssimos Urso de Ouro, em Berlim, e Palma de Ouro, em Cannes. Viria também a ganhar o BAFTA, o principal prêmio do cinema inglês.

Baseado em um romance de Georges Arnaud, da mesma década do filme, a história fala sobre pobreza, cobiça humana pelo dinheiro (através da figura do petróleo, tão bem representativa para esse tipo de pecado capital), arrogância, covardia e até mesmo um pouco de romance. Alguns elementos são mais desenvolvidos do que outros, mas todos enriquecem a obra, trazendo um resultado final rico. É um trabalho completíssimo, que ao longo de seus 148 minutos (na versão do diretor, a que assisti, já que originalmente são 131 minutos), consegue fazer o espectador grudar os olhos como somente os bons dramas conseguiram fazer ao longo da história do cinema.

Além de funcionar como um drama, O Salário do Medo também é um suspense de não menor qualidade e importância (algo que se entende facilmente pela filmografia do diretor). E é por isso, confesso, que o filme me conquistou. Mostrando a jornada de quatro homens para entregarem dois caminhões de nitroglicerina em um cenário rudimentar, com ferramentas frágeis, o roteiro cria elementos que fazem gelar a espinha a cada curva que eles atravessam. Nesse sentido, o texto escrito a três mãos (do autor do romance, do diretor e de Jérôme Géronimi, que viria a trabalhar novamente em parceria com Clouzot em As Diabólicas) não é exatamente perfeito e honesto: para aumentar a tensão, são criados quebra-cabeças um tanto quanto improváveis demais.

Aquela estrada parece muito com a estrada de pedrinhas amarelas de O Mágico de Oz, sempre pronta para surpreender e trazer problemas aos nossos personagens. Mas essa razoável falta de realismo é compensada pelos momentos engenhosos apresentados, e as soluções sempre humanas – não necessariamente as melhores nem as piores. Ao completar a jornada, somos apresentados a um final cheio de ironia, em um movimento arriscado por parte do roteiro, que quase coloca todo o trabalho tido até então na lixeira. Deve-se honrar, pelo menos, a coragem em apresentar tal solução (se você viu, sabe o que é; se não viu, não é interessante lê-la aqui).

O que torna tudo muito mais interessante, porém, não são exatamente os elementos de tensão – pois eles podem ser encontrados em filmes medíocres, aos montes, até nos dias de hoje. Ao “dar” a hora inicial de seu longa-metragem para o desenvolvimento dos personagens, o roteiro garante que o destino destes, no segundo ato do filme, seja especialmente excitante. Os personagens são recheados de carga dramática, intensos e agradavelmente bem desenvolvidos. Podem se apresentar como heróis ou covardes dependendo da situação imposta a cada um deles, ou seja, o filme procura fugir de estereótipos e soluções simples (ou mesmo esperadas pelo espectador, como no final já comentado) e cria tipos bastante humanos, modificados pelo ambiente hostil que os cerca (uma nada aconchegante cidadezinha venezuelana no meio do deserto), tornando o caminho que eles enfrentam na maior parte do tempo imprevisível.

A locação para representar tal cidadezinha foi construída, do zero, no sul da França, o que acabaria causando muitos problemas para a produção do longa. Devido ao excesso de chuvas na região, as filmagens foram atrasadas e, como não conseguiriam terminar o filme até o inverno, foi dado um intervalo de seis meses até a remotada das filmagens. Essa é uma das histórias relacionadas ao filme. Há algumas outras, como o fato dele ter sido fortemente acusado de anti-americanismo, porque a empresa petrolífera que deu a infeliz missão de entregar os explosivos aos personagens era americana, e seu dono cita abertamente que a vida do povo do terceiro mundo que trabalha para ele não vale um tostão furado. Algo como acontece em alguns casos, ainda hoje.

Como não poderia deixar de ser, há uma refilmagem americana dirigida por William Friedkin e com Roy Scheider no elenco, datada de 1977 (mostrando que esse tipo de prática, na maioria das vezes infame, vem de décadas). Não assisti ao filme, mas ele foca-se muito mais na jornada pela entrega da nitroglicerina do que no desenvolvimento dos personagens principais, fazendo tudo ficar mais prático e ágil, mas não necessariamente melhor. Como um fast-food. O Salário do Medo – o original – é tão bom porque é montado com calma para que, quando o clímax acontecer, realmente estejamos atentos aos acontecimentos. É, sem dúvida, uma obra-prima que merece ser assistida por quem é apaixonado por cinema.

Comentários (4)

DRIVER | sábado, 21 de Janeiro de 2012 - 22:13

Pois é reparo que você realmente não assistiu o filme do Friedkin, porque este além de ser quase tão bom quanto o original, aprofunda ainda mais o desenvolvimento dos personagens. Não sei quem te passou estas informações sobre o filme de 1977, mas estão totalmente equivocadas. O remake é excelente também.

Marcos andré Pereira | quinta-feira, 20 de Setembro de 2012 - 15:41

falar mal de um filme que nem viu
é cada uma que acontece nesse site😈

Luiz Phillipe Lameirão Côrtes | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 00:41

Sei que não se deve comparar livro com filme, mas li quando mais jovem o livro original do Georges Arnaud, vi o filme logo em seguida, o que me decepcionou um pouco, pois gostei muito do livro. Mas é um clássico, sem dúvida alguma.

Daniel Dalpizzolo | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 09:15

é um belo filme, mas a refilmagem do friedkin é ainda melhor. ao lado de viver e morrer em la é meu favorito dele.

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