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Críticas

Cineplayers

Visualmente atraente, retorno à estética noir peca no roteiro extremamente desinteressante.

6,5

Diretor competente, Steven Soderbergh, explodiu em notoriedade ao concorrer contra ele mesmo no Oscar de 2001, por Traffic e por Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento, nas duas principais categorias – filme e direção -, e sair vencedor (melhor diretor por Traffic). Circunstâncias e acasos a parte, o fato é que Soderbergh firmou-se como um diretor ativo e eclético ao manter uma linha de trabalho anterior ao tal boom. Trabalhando em mutualismo com os estúdios, Soderbergh vêm intercalando filmes politizados ou de viés mais artesanal com filmes pipoca – que nem são tão pipoca assim, resultado de um crescente auto-indulgência que levou ao declínio a seqüência iniciada por Onze Homens e Um Segredo. Constam em sua recente filmografia a excelente refilmagem científico-filosófica Solaris, o ultra experimental Bubble (que estreou nos EUA simultaneamente no cinema, na TV e em DVD) e esse novo O Segredo de Berlim

Como já era de se esperar, O Segredo de Berlim tem uma proposta totalmente díspar dos demais filmes de Soderbergh. Aqui, o diretor adota por inteiro a estética noir, incluindo o preto e branco, para retratar um caso de investigação na Berlim do imediato pós-guerra. Da temática à técnica, da música aos diálogos, tudo é credenciado ao cinema noir das décadas de 40 e 50.

George Clooney encabeça o elenco interpretando o capitão-jornalista americano Jake Geismer que vai à Berlim por ocasião da reunião dos líderes aliados a fim de deliberar sobre a situação do mundo depois da guerra. Seu motorista, o oficial bad-boy Patrick Tully (Tobey Maguire) é assassinado em Potsdamer (região de Berlim fechada pelo exército americano para a realização do evento) pouco depois que Geismer descobre que este mantinha relacionamento com um antigo caso seu, a judia alemã Lena Brandt (Cate Blanchett). A partir daí, deflagra-se a ação do filme, pontuando elementos como corrupção, adultério, mentiras, horrores de guerra, SS...

Fazer cinema, na sua essência mais genérica, é contar uma história. As opções estéticas e artísticas relativas à sua execução devem pois, em tese, estar subordinadas a como contar bem esta história. A questão que se lança é se essa proposta radical de Soderbergh tem paridade com o material do roteiro. A resposta inicial é sim. A história de investigação, personagens nublados, a atmosfera funesta de Berlim quase inteiramente bombardeada se casa bem com o noir. Soderbergh, como idealizador, viu nesse projeto um modo de resgatar um gênero hoje quase esquecido. É uma proposta interessante e audaciosa. Interessante porque amarra o filme de maneira coesa e direta em tempos onde pipocam filmes titubeantes, difíceis de definir. Audacioso porque exige boa vontade e interesse por parte do público que, em geral, prefere o filme como algo fechado dentro de seus minutos de projeção, sem a necessidade de informações preliminares – no caso, saber o que foi o noir é essencial para se compreender a proposta.

Entendendo-se essa apropriação como não-gratuita, verifica-se um filme conceitual notável, porém de execução falha, prendendo-se mais em estilo do que em substância. Colocando de lado qualquer estranheza inicial em se ver uma execução atual que busca reproduzir um modo de fazer antigo, o roteiro de Paul Attanasio (Donnie Brasco) perde-se na dinâmica criada pela investigação da morte de Tully que, só ao final, revela assuntos mais interessantes. Durante um bom tempo, toda a ação é centrada no relacionamento insosso de Clooney e Blanchett, com um desfile confuso de generais corruptos pela tela, deixando o cenário histórico como adereço. A temática revelada no final, que engloba interesses ocultos das potências aliadas que buscavam bem mais do que paz e já sinaliza para o cenário mundial da Guerra Fria, é tardiamente colocada no filme, servindo mais para o recurso do final surpreendente que para efetivamente proporcionar substância à história. Não era pra ser um filme histórico – até porque isso não teria relação com o noir, mais voltado mesmo para os conflitos de suas personagens –, mas sim ter uma trama com mais motivações que as que remetem a um jornalista tentando desvendar um crime ou resgatar um caso do passado. O mal de O Segredo de Berlim, portanto, é o roteiro.

Os atores estão bem, à exceção de Tobey Maguire que soa estridente e forçado ao tentar a todo custo se livrar de Peter Parker nos seus poucos minutos em cena, revelando-se uma escolha equivocada para um papel chave do filme. Clooney está correto, mas o grande destaque é Cate Blanchett. Chamá-la de camaleônica não é exagero. Mesmo fazendo inúmeros filmes nos últimos anos, Blanchett vai além da caracterização física (que por si só já é notável) e compõe tipos complexos e distintos em cada filme. Sua Lena Brandt, por ter a história mais densa é a única que realmente gera algum interesse maior por parte de quem assiste. A atuação carregada da atriz revela em todos os momentos a amargura e a infelicidade acumuladas e ainda mantém sempre uma dubiedade, deixando a sensação constante de que Lena está escondendo algo – algo ruim. E como Cate Blanchett fotografa bem o noir! Os quadros com seu rosto em meia sombra são os melhores de todo o filme. 

A produção é excelente e, ao menos visualmente, o noir está ali. Há belas seqüências o reproduzindo e uma das melhores é a que remete imediatamente ao filme Casablanca. Como exercício estético, a proposta de Steven Soderbergh valeu a pena. O roteiro do jeito que está, desinteressante na maior parte do tempo, é apenas um dos motivos que levaram o filme a passar praticamente despercebido tanto no Brasil (onde foi lançado diretamente em DVD) quanto nos EUA. Na verdade, é difícil mesmo embarcar na proposta. A audácia de Soderbergh criou um filme de nicho, direcionado, mas o diretor não deve estar dando a mínima para isso – o que ele quer é experimentar.

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