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Críticas

Cineplayers

Repleto de bons momentos, mas desengonçado em sua totalidade.

5,0

Há que se tomar cuidado com os filmes médios. É fácil abraçar o que de acordo com nosso gosto pessoal se apresenta como um indiscutível grande filme, ou repudiar o que nos parece uma bomba irremediável. O meio-termo sem dúvida também sempre deve existir, e não há mal nenhum em apreciá-lo, entretanto, o que mais tem infestado o cinema contemporâneo é o filme médio que se passa por grande arte, a poesia enlatada nas telas, mal pensados dramaturgicamente e repleto de truques, mas que no seu conjunto atende ao perfil de um público mais sofisticado, que cansados do excesso de filmes ruins pode cair em enganações e derivações de todos os tipos. Algo que pode atingir a qualquer um de nós, em qualquer etapa de nossa cinefilia. Pode ocorrer amanhã ou depois, ou estar acontecendo neste momento, nunca se sabe.

O Segredo dos Seus Olhos é uma obra que quer ser grande, e o consegue vez por outra, porém o filme de Juan José Campanella (O Filho da Noiva, Clube da Lua) não escapa da camisa-de-força dos excessos brilharescos que tem marcado o recente cinema argentino. A cena de abertura é sintomática: a câmera trêmula e fora de foco ao som de uma trilha bem sentimental acompanhando uma mulher correndo atrás de um trem, e sua figura, até então enorme (de acordo com as palavras do protagonista), ficando cada vez menor e diminuta, até desaparecer. É apenas uma sequência, e abre também o romance que o oficial de justiça aposentado Benjamin Espósito (Ricardo Darin) há anos vem tentando escrever, acerca de suas experiências entorno da investigação de um crime hediondo envolvendo um estupro/assassinato ocorrido em Buenos Aires em 1974. À medida que o inquérito progride, encontra-se o criminoso, porém descobrimos que por trás de tudo existem outras revelações e diferentes camadas tendo como pano de fundo uma crítica velada ao governo da então presidente Isabel Perón.

Não é sempre que Campanella consegue ir muito além das boas intenções. Em alguns momentos o filme arranca sorrisos amarelos, como na cena em que os investigadores invadem clandestinamente uma casa à procura de provas e são surpreendidos pelo cachorrinho da dona da casa que chega na hora, com o cãozinho correndo e latindo em direção aos oficiais, que se obrigam a disparar fugindo com o rabo entre as pernas. A sequência no estádio de futebol também não funciona como deveria por causa dos exageros de câmera, e também é prejudicada por uma desnecessária e longa conversa sobre futebol argentino dos anos sessenta que antecede a perseguição no estádio. Quanto mais o filme avança, percebe-se uma queda de fôlego na direção, e as recorrentes idas e vindas no tempo mais embaraçam e atrapalham o filme ao invés de ajudá-lo, além de uma óbvia impressão de esquematismo, principalmente na meia hora final, depois que O Segredo dos Seus Olhos parece ter esgotado o assunto. Ainda que sem apelar para discursos e elucubrações políticas, o diretor insiste nesse último ato em aludir aos abusos cometidos pelo governo da época contra os opositores, o que reforça ainda mais a fluidez claudicante da obra. É louvável que na vida real o povo argentino tenha a necessidade de purgar as manchas do seu recente passado histórico julgando e condenando os seus antigos déspotas ainda vivos, mas no cinema a obsessão pelos períodos dos regimes ditatoriais latino-americanos é um filão que cansou há muito tempo. 

O grande trunfo de O Segredo dos Seus Olhos é o seu elenco, especialmente o ótimo Ricardo Darin como o personagem central. Trata-se de uma performance melancólica que confere o tom ao filme, no papel de um sujeito que passou a vida como sabendo que se lhe reserva um destino medíocre. O seu Benjamin Espósito em dado momento se pergunta: “Como se faz para viver uma vida vazia?” ou a variante “Como se faz para viver uma vida cheia de “nada”?”. A força e o interesse do filme até certo ponto residem na relação que Benjamin desenvolve com a sua chefe, a juíza Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), que aos seus olhos parece intocável e vinda de outro mundo, uma mulher forte e elegante que guarda o seu melhor sorriso apenas para o noivo poderoso com quem está comprometida. É um dos casais mais improváveis do cinema recente, o que justamente por isso resulta em um curto-circuito em todas as vezes que ambos os personagens contracenam, sublinhando a paixão desesperançada de Benjamin pela colega de trabalho. A maioria das cenas no fórum desnudam a formalidade de ambientes e funcionários rígidos e austeros. Por sinal, Irene é dona de um dos melhores momentos do filme de Campanella, no interrogatório com o principal suspeito do assassinato, em que ela humilha e manipula o acusado. Enquanto Irene se mostra inatingível ao interesse romântico de seu subordinado, a trama desfruta de certa credibilidade. Mas o rumo que o desenvolvimento da relação toma perto do desfecho não é muito convincente, enfraquecendo ainda mais o resultado final de um filme repleto de bons elementos, mas desengonçado em sua totalidade.

Comentários (10)

Italo | terça-feira, 04 de Agosto de 2015 - 16:17

não

jorge lucas | domingo, 10 de Janeiro de 2016 - 17:30

Filmão. A lupinha do Koball é o melhor resumo pra ele.

Rose Maioli | domingo, 30 de Abril de 2017 - 13:41

Concordo plenamente com Jorge, a lupinha do Koball é uma crítica perfeita... eu amo esse filme 😁😉

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