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Críticas

Cineplayers

Naufraga porque não corresponde nem ao básico que poderia se esperar de um filme de ação.

2,0

Um grupo é constituído de uma união de indivíduos, todos eles diferentes entre si, mas que acabam formando uma ideia geral no que concerne à identidade do todo. O Estado, em sua base fundamental, é o emblema de um grupo que defende os interesses do mesmo e que elege uma figura de liderança para si. Usualmente o Estado é confrontado como antagonista dos interesses de um grupo e os indivíduos são colocados do lado oposto ao dos líderes, como numa guerra, como se não houvesse ali uma harmonia, um ideal de bem-estar comum. É estabelecida a clássica estrutura de mocinhos e bandidos. Os atos dos indivíduos de um grupo poderiam ser justificados no caso do Estado não defender seus interesses, e assim o indivíduo vira vítima do Estado e sua ação passa a ser conseqüência de um mal anterior. É esta a teoria que – supostamente – tenta ser defendida em O Sequestro do Metrô, refilmagem de um filme homônimo de 1974, com Walter Matthau. É esta teoria que é completamente fracassada no filme de Tony Scott.

O primeiro fracasso está justamente no fato de ser uma teoria idiota. Não se justificam os meios pelos fins, nem pelos começos, nem por nada. Se o grupo (no caso, a cidade de Nova York, quase sempre o alvo desse tipo de “crítica” de valores) é falido e errático, principalmente na figura de seus governantes (James Gandolfini, interpretando uma espécie de lado esquerdo do tipo boa-praça que era Rudolph Giuliani, o “herói” de Manhattan), não é minimamente aceitável acreditar que uma atitude extrema, como a de seqüestrar um trem cheio de civis, pode ser mesmo justificada.

E é isso que Tony Scott tenta provar por boa parte do filme, nos diálogos entre Garber e Ryder, personagens de Denzel Washington e John Travolta. Traçando psicologismos num tipo meramente criminoso como Ryder, Scott busca colocá-lo no mesmo patamar do homem de bem, que é a figura de Garber (e aqui cabe ressaltar que a persona de Denzel Washington traz mesmo esse tipo de ligação), um homem que estava apenas na hora errada, na mesa errada, tentando fazer seu trabalho. E colocando o personagem de Washington como um ser humano passível de erros, o ato monstruoso de Ryder é tratado como possível de ser tomado, até mesmo pelo mais comum dos seres.

Parece tarde demais quando o roteiro vai pipocando informações do passado de Ryder, praticamente se isentando da culpa do discurso feito em dois terços de filme, sobre o poder, a religião, a justificativa do crime e a paranoia urbana. O que é pretensamente levantado, ainda que em um filme que se julga de entretenimento, não passa de uma paleta estourada de teorias superficiais sobre a responsabilidade do poder numa espécie de efeito dominó social, só que tudo muito raso e incoerente.

Incoerência esta que é responsável pelo maior dos fracassos do filme, já que ultimamente não se deve esperar mesmo um embasado discurso sociológico por parte de Tony Scott, cada vez mais capenga em qualquer habilidade de narrativa cinematográfica. A questão em O Seqüestro do Metrô é que Scott é uma catástrofe ambulante em estética e capacidade de entreter. O filme pode até ser capaz de causar alguns risos, mas possivelmente serão involuntários ou, pior, de constrangimento. Desde já a parte do rato, acima de qualquer possível metáfora ali embutida (quem sabe algo semelhante ao que Martin Scorsese fez ao final de Os Infiltrados), se torna um momento antológico, devido à sua capacidade sem igual de embaraçar o telespectador (e parece pouco provável que aquilo seja algum tipo de ironia).

A previsibilidade entra em voga pelo pior dos artifícios: a mitificação do homem comum. Garber é a realização de todo o ideal que Scott tem de salvação do Estado, do Bem caçando e vencendo o Mal, ainda que este Mal já tenha lhe servido no início. Denzel Washington se transforma em super-herói, John Travolta destila o veneno histérico do absolutismo do roteiro, mas ambos parecem uma alegoria única de defesa do filme, como se ambos fossem vítimas.

Vítima é mesmo quem está sentado na poltrona, tentando compreender as câmeras lentas e a estética de videoclipe num mesmo plano, as cenas de rua triviais onde até mesmo um carro de polícia pode bater de modo violento, sem estar sendo perseguido por ninguém. É assim que Scott critica o poder, ironizando os meios para se chegar a um fim. É assim que O Seqüestro do Metrô naufraga, não correspondendo nem ao menos ao básico que se poderia esperar de um blockbuster de ação.

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