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Críticas

Cineplayers

Um bom exemplar do cinema de fantasia contemporâneo.

7,5

M. Night Shyamalan é o tipo de diretor ao qual a maioria reage aos seus filmes de acordo mais com suas expectativas pré-definidas (positivas ou negativas, tanto faz) do que propriamente a uma analise objetiva e justa com cada um de seus trabalhos. Na verdade, cada um se cerca de um número considerável de preconceitos, de exclusões, que torna mais fácil repelir ou criticar um projeto de cinema pelo que já se espera de antemão dele do que em tentar compreender a sua proposta. Culpa de uma receptividade crítica e cinéfila de muitos que, nos lançamentos de O Sexto Sentido (The Sixty Sense, 1999) e Corpo Fechado (Unbreakable, 2001) (bons filmes, vale dizer, mas que talvez não se incluam entre as obras mais interessantes do seu realizador), tacharam o diretor como “gênio” ou com lorotas ainda mais absurdas como a pecha de herdeiro de Hitchcock, e ainda hoje Shyamalan sofre o repúdio de uma maioria que há dez anos o incensou em demasia e agora o despreza também indevidamente.

Qual seria este projeto então? Os quatro longas anteriores do diretor são todos muito consistentes dentro da descrição de um mundo contemporâneo e a beira do apocalipse que parece beber de toda uma tradição de suspenses apocalípticos pós-Os Pássaros (The Birds, 1960)(o que inclui desde Tubarão (Jaws, 1974), de Steven Spielberg, até A Bruma Assassina (The Fog, 1980), de John Carpenter), geralmente em torno de uma comunidade qualquer com sua rotina quebrada pela ameaça de um acontecimento sobrenatural e precisando lidar com as consequências do fenômeno ─ seja vindo da natureza, como em Fim dos Tempos (The Happening, 2008); de monstros reais, como Sinais (Signs, 2004) e A Dama na Água (Lady in the Water, 2006); ou imaginados, em A Vila (The Village, 2004), ainda sua obra-prima). Shyamalan é um diretor que invariavelmente se ampara em temas sobrenaturais (ou na sugestão do sobrenatural, como em A Vila), porém em seu cinema o terror acontece por vias completamente tortas, o que se por um lado deve frustrar muita gente, também é o que adensa as suas obras. Há diversos cineastas que encaminham a sua obra para um determinado estilo, e se especializam em fazer quase sempre o mesmo filme, mas nos de Shyamalan raramente percebe-se uma fórmula sobressair-se em detrimento de uma força própria do material ─ mesmo o problemático A Dama na Água tem seqüências de se tirar o chapéu, e que confirmam o apuro cênico do sujeito, quase sempre filmando excepcionalmente bem.

E então que surge O Ultimo Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010), que se está longe de ser um filme brilhante, funciona como uma variação em sua filmografia, até para que o realizador não corra tantos riscos de cair preso na própria armadilha de cedo ou tarde esgotar seu projeto de cinema. O Último Mestre do Ar é o tipo de filme que todos aceitariam de bom grado se fosse anunciado como dirigido por um James Cameron ou Tim Burton, mas que by M Night Shyamalan provoca escárnio e aversão antes mesmo de ser assistido. De fato, muitos poderão argumentar que Cameron ou algum outro especialista no gênero fariam melhor no lugar do indiano, mas o resultado do filme em si é digno da tradição de um cinema de fantasia.

Um dado importante: é o primeiro de seus filmes que parte de um material adaptado, e não de uma idéia original do diretor, que se mais de uma vez já se revelou um roteirista de mão cheia, igualmente vez por outra esbarra nas próprias limitações dos textos de seus filmes. Trata-se da adaptação cinematográfica do desenho Avatar: The Last Airbender, na qual Shyamalan trabalhou durante dois anos, uma mitologia cujo universo é formado pelos quatro elementos fundamentais da Natureza: Ar, Água, Terra e Fogo. Cada elemento é uma nação distinta: Nação do Fogo, Tribo da Água, Reino da Terra e Nômades do Ar. O Avatar, mestre dos quatro elementos, é o responsável por manter o equilíbrio do mundo, até o dia em que a Nação do Fogo atacou as demais, iniciando uma guerra brutal que se estende por um século, sem que o Avatar apareça para resolver o conflito.

A premissa pode parecer desencorajadora no papel, mas é um desafio que Shyamalan conseguiu vencer ao transportar essa fantasia para a tela grande sem afetações que poderiam tornar o seu filme ridículo, tampouco tropeços que o justificassem como uma película fracassada. O filme joga com os quatro elementos que enchem a tela o tempo todo, e a recorrência desses elementos tem uma função tanto física quanto simbólica. O fogo volta e meia irrompe na imagem, e a água também possui uma aparição constante, e sua importância está justamente na sua natureza, ou seja, em ser uma matéria primitiva, um dos constituintes fundamentais e preponderantes de tudo que existe no mundo, a começar pelos homens. E naturalmente o filme não teria valor algum se não fossem os seus personagens de carne e osso, todos bastante convincentes e que oferecem sustentação a fabula de Shyamalan. No centro da narrativa, estão dois jovens da tribo da água do sul, Katara (Nicola Peltz), uma controladora das águas, e seu irmão Sokka (Jackson Rathbone), que encontram Aang (Noah Ringer), um hábil dominador de ar que descobre que é o único que consegue manipular os quatro elementos.

Dar forma a esse universo mitológico sem que o resultado seja patético ou pareça com batalhas de um jogo de videogame é um triunfo de Shyamalan, que prossegue eficiente em dosar os fundamentos da imagem e narrativa cinematográfica. O diretor consegue realizar o seu filme no tom certo, no equilíbrio considerável. Basicamente receberá muitas das críticas um tanto injustas que também se fez ao Avatar (Avatar, 2009), de James Cameron (que é um filme superior, certamente). Deve-se destacar ainda a breve aparição de uma máscara que remete à mesma que aparece em Onibaba - A Mulher Demônio (Onibaba, 1964), o que pode ser uma citação direta do cineasta ao clássico japonês (em A Vila, já existia outra citação a uma referência importante de Onibaba, a dos buracos no chão da floresta como emboscada para atrair os incautos).

E se vale alguma coisa, aviso aos que gostaram de um outro filme de fantasia que fez bem mais sucesso na temporada, o recente Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010) (do qual não foram poucos os que apreciaram ─ e dentre os quais eu me incluo ─, apesar de ter dividido bastante as opiniões): o de Shyamalan é melhor. E aos que gostam do diretor, o desperdício seria se daqui em diante ele passar a fazer filmes apenas nesse estilo (o que provavelmente não ocorrerá), mas não o filme em si. É o mais próximo que se chegou no cinema  recente a uma certa magia existente nas fantasias produzidas por George Lucas nos anos oitenta, embora com concepções distintas até mesmo por causa dos quase trinta anos que separam as carreiras de ambos os realizadores. Embora O Ultimo Mestre do Ar pareça o ponto de partida de uma história que recém está começando, pode-se dizer que, guardadas as devidas proporções, esse é O Retorno de Jedi (Return of the Jedi, 1983) de M. Night Shyamalan.

Comentários (2)

DEMETRIO ISLAUSKAS DEMOSTENES IVANOFF | segunda-feira, 23 de Julho de 2012 - 14:53

Tua crítica fará com que eu reveja esse filme. Talvez não o tenha apreciado como devia. Um dos motivos: o fato de ter visto alguns episódios do desenho que meus bisnetos assistem com deleite e ter achado a obra claramente inferior. Mas são gêneros distintos. Grato pelo escrito meu jovem.

Luiz F. Vila Nova | sábado, 12 de Setembro de 2015 - 12:25

Certamente um filme bastante incompreendido do cineasta. Divertido, leve, sincero e envolvente, O Último Mestre do Ar é facilmente uma das melhores fantasias dos últimos anos. A parte técnica é soberba (efeitos visuais, figurino, direção de arte e fotografia se destacam), um elenco desconhecido, mas que dá veracidade a seus personagens (Patel o mais famoso exagera um pouco) e uma estória mágica que mistura elementos recorrentes da carreira de Shyamalan, como fé, destino, aceitação e redenção, além da importância simbólica da água. Um filme menor e mais comercial dentro de sua filmografia, sem dúvida, porém muito longe do desastre cinematográfico que muitos parecem acreditar.

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