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Críticas

Cineplayers

Onde nascem os monstros.

8,0
Uma experiência imersiva, mística e enigmática. O Vale das Sombras é um sombrio conto de fadas que trata de mitos e lendas escandinavas coexistindo com medos infantis, elaborações de pensamentos sobre aquilo que acreditamos existir quando crianças. Há outras várias considerações que poderiam tentar expressar o quão profunda é a idéia do longa e o quão férteis são suas possibilidades de interpretação e compreensão, já que também encontra respaldo em planos oníricos. A jornada que somos convidados a acompanhar metaforiza a experiência de cinema, em mergulhar num universo de fantasia que ilustra a realidade. 

Ovelhas estão sendo mortas em um vale nas montanhas da Noruega. Uma tragédia familiar acontece na mesma data. Tais eventos distintos mobilizam moradores da região e afetam diretamente Aslak, uma criança que escuta interpretações sobre os ocorridos e ouve um amigo dizer que, seja lá o que tiver matado os animais, mora nas montanhas e foi motivado pela lua cheia que tanto brilha naquela região. Algumas gravuras com imagens de lobisomens encontradas em um quarto contribuem para que o menino idealize possíveis monstros que residam na escuridão daquele obscuro vale.

O diretor Jonas Matzow Gulbrandsen, estreante em longas-metragens, concebe uma intrínseca obra gótica adornada por imagens assustadoras e carregada por um clima sempre hostil, de opressão a pequena vila montada atrás das montanhas. São 90 minutos dedicados a uma mesma sensação de ameaça, instigado por mitos regionais, de uma possível presença de uma criatura que noite após noite avança sobre as ovelhas. O roteiro balanceia realidade e sonho, estando os próprios animais fazendo parte dessa ótica, como uma representação dos sonos comprometidos de uma criança que precisa suportar uma perda, ainda que pouco a compreenda. 

O trabalho do fotógrafo Marius Matzow Gulbrandsen é tão sublime que somos lançados para dentro do filme, nos perdendo entre a densa neblina, acompanhando a aventura do pequeno Aslak que deseja ir atrás de seu cachorro que desaparecera por ali. Ele teme que o animal seja morto. O fotografo é hábil ao transmitir a imponência da floresta sobre a frágil criança através de imagens vigorosas, tal como aquela em que árvores gigantes na beira da mata demonstram o quão pequeno pode ser o homem diante a natureza; e também nos instantes em que filma a criança nas encostas do rio, em um barco que passeia no meio do vale, cortando a cerração. 

O Vale das Sombras quase não possui diálogos, mas um deles, frente a um desconhecido nas montanhas, abrilhanta o mistério permeado em toda a obra. A narrativa é conduzida por imagens que ditam um ritmo uniforme, diante descobertas e experimentações. E a trilha sonora atormentada em piano quase transforma alguns planos num vídeo-arte, tamanha a força empregada pela música consoante as imagens extraordinárias que convertem o filme numa pequena obra de arte do horror de ambientação. 

Visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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