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Críticas

Cineplayers

Desnecessário e datado.

3,5

O herói usa pessoas como escudos humanos para se defender dos balaços de seus perseguidores. A protagonista aperta as partes íntimas do herói. A heroína é apresentada em um bordel. Braços são arrancados. O protagonista tem de extrair, de forma grotesca, um localizador do fundo de seu crânio por meio de uma via nasal.

Essa são apenas algumas cenas do clássico contemporâneo de ficção-científica O Vingador de Futuro (Total Recall, 1990) dirigido pelo holandês Paul Verhoeven e um dos auges dos politicamente incorretos anos oitenta, com Arnold Schwarzenegger no auge da sua brutalidade, vindo de uma série de filmes violentíssimos. A linguagem camp e brega de Verhoeven não só fascinou os jovens no seu tempo como ainda aproveitava o texto original de Philip K. Dick. Lembramos para você a preço de atacado, para fazer um filme onde um homem comum, espectador da vida, era promovido a típico herói de ação oitentista. Quase uma declaração de amor àquele cinema sangrento, sexualizado e moralmente questionável que é justamente tudo que não vemos nesse novo O Vingador do Futuro (Total Recall, 2012).

O diretor Len Wiseman, da franquia Anjos da Noite e do filme Duro de Matar 4.0 (Live Free or Die Hard, 2007), apostou em oposição a Verhoeven em um visual escuro, pontuado por luzes de néon à lá Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982), numa tentativa de conectar o filme de algum modo ao que via de regra foi aceito como o clichê da atmosfera cyberpunk. Aqui, separando uma cidade entre uma favela de trabalhadores e uma área nobre, semelhante a Metrópolis (Metropolis, 1927), substituindo a trama do original sobre a terraformação de Marte e a ganância e recusa dos burgueses no poder se recusarem a cederem livre oxigênio aos mutantes deformados sobre a conspiração do governo rico matar todos os habitantes da colônia trabalhadora e substituí-la por sintéticos incansáveis. Mesmo com essas alterações, é fácil de se adaptar ao novo material – pudera, já que o filme abre com letreiros que explicam toda a situação da terra e ao longo do mesmo tudo será aprofundado graças à velha e desgastada tática de “protagonista assistindo o noticiário de televisão”.

Diferente das mil e uma reviravoltas de Verhoeven – e sim, os comparativos com a obra original são até necessárias, já que o filme faz referência ao mesmo o tempo todo em vários momentos diferentes, além de seguir sua estrutura fielmente -, onde o protagonista era obrigado a lutar contra todo mundo e até contra ele mesmo quando descobre ser um agente infiltrado a serviço do governo, o filme de Wiseman é um “tubarão”, que não pode parar senão morre. Não há tempo para construção de ambigüidade nem de relações mais profundas: o Douglas Quaid de Colin Farrell não é um ex-vilão com oportunidade de renascer, mas sim um indivíduo sempre íntegro e de caráter inabalável, que apesar de já ter trabalhado para os “burgueses do mal”, os deixou assim que soube dos sinistros planos deles. E todos os outros personagens padecem da mesma unidimensionalidade.

Como não há muita história a ser contada (já que ela é explicada e re-explicada), pontos de virada esquemáticos garantem vários minutos de ações ininterruptas, tiros, explosões, fugas mirabolantes e lutas contra vários andróides – uma saída encontrada para que Quaid não derramasse mais sangue e aumentasse mais a classificação.

Essa saída não redime o filme de um de seus principais defeitos: sua “sujeira organizada” nas ruas e em interiores em momento algum compõe o tipo de atmosfera opressora que funcionara tão bem com Ridley Scott e essa falta de violência estraga qualquer tentativa de composição de realismo, apesar do esforço da cenografia e figurino. Outro quesito que o original leva vantagem: apesar do tom de fábula, vidas inocentes eram perdidas, protagonistas corriam sério risco de morte, a câmera não tinha medo de testemunhar humanos feito de carne... E como já era de esperar, os diálogos cínicos e exagerados dão vazão a conversas expositivas cheias de chavões, lugares comuns e filosofia barata.

É preciso confessar que fica difícil compactuar com um filme que foge da raia o tempo todo, que nunca sabe se vai seguir o próprio caminho ou vai pagar tributo. Tenta-se o tempo todo esconder o caos, a violência, a chacina, o humor perverso e bizarro... Há tanta preocupação em explicar a história que falta atenção em senti-la através de imagens. Imageticamente, Wiseman é um cineasta que procura distrair o olho, jamais seduzir ou assustá-lo, apenas para que se possa argumentar que a violenta história do roteiro tem sim momentos mais fortes – mas somos sempre tratados como testemunhas infantis, poupadas e assexuadas, que chegaram a ver alguma coisa, mas não muito. Sai a consciência de saber-se camp e grotesco e entra a mistura de explosões anestesiantes com recursos audiviosuais e dramatúrgicos melodramáticos e baratos – como na relação pueril e ingênua entre o casal protagonista.

No final das contas, assim como em todos os seus outros filmes, Wiseman cria uma composição movimentada, pouco carismática e passageira, tão preocupada em não ofender que, no final das contas, pariu uma obra que já nasceu velha e que tenta ser cool para uma geração que insiste em tentar domar em matéria de conteúdo; sem trazer nenhuma questão relevante que pudesse atualizar o filme original e o conto, mudando apenas alguns dos antagonistas, adiantando umas mortes e atrasando outras, o novo Vingador do Futuro é mais um exemplo dos remakes desnecessários feitos a toque de caixa nos últimos anos: tudo é engolido e reprocessado, dando vários passos para trás, originando obras estéreis, sem carisma ou maiores atrativos. Fazendo sucesso ou não, é óbvio que algo sempre se perde quando se tenta encaixar obras transgressoras vindas de outros contextos na jaula do cinema domesticado: no caso, é de longe preferível a truculência, o mau gosto estético e os três seios do filme original, ainda hoje uma verdadeira aula do que se convencionou a chamar de “cinema de ação”.

Comentários (22)

Alexandre Barbosa da Silva | sábado, 01 de Dezembro de 2012 - 07:12

Não é melhor que o original. Quanto aos comentários ali embaixo, "é preciso superar o original?", acho que não. Desde que traga uma visão própria, com novas abordagens ou conteúdos e seja bem feito, um remake (de uma obra não tão velha) se justifica.

No caso de Total Recall, o filme é bastante diferente do primeiro, o que me faz pensar que recebeu o nome do anterior apenas para fins mercadológicos. Mudasse uma coisa aqui e ali, e poderia ter qualquer outro título. Agora, uma coisa eu tenho que tirar o chapéu para Len Wiseman: As cenas de ação são muito boas. Forçadas as vezes, assim como em Duro de Matar 4.0, mas bastante empolgantes.
Porém, o filme não tem qualquer vestígio do brilhantismo do primeiro filme, ou mesmo da obra de Philip K. Dick. Um final mais aberto e menos cinemão hollywoodiano também seria bem vindo. Como remake de um clássico (que continua atual, aliás), nota nula, como filme pipoca de ação e pancadaria, nota 7.

Alexandre Marcello de Figueiredo | sábado, 15 de Dezembro de 2012 - 20:41

Do ponto de vista da ação, o filme é alucinante, ininterrupto. Vai agradar aos fãs do gênero. Não gostei nem do original que assisti há muitos anos, tenho uma vaga lembrança. Prefiro filmes com mais conteúdo, com tramas mais interessantes, só ação não basta.

Tom Ripley | sexta-feira, 22 de Março de 2013 - 19:37

Acredito que muitos filmes antigos merecem uma refilmagem sim, por vários motivos, entre eles o fator tecnologia que atualmente oferece condições para se adaptar certas histórias com maior realismo, depois pelo fato que alguns filmes antigos se tornarem enfadonhos pelo fato da tecnologia da época impossibilitar o realismo e efeito que algumas cenas exigiriam e apenas cinéfilos apreciariam a obra original em detrimento do grande público!
Quanto ao fato da falta de ousadia na refilmagem, se for para mudar a história é melhor fazer outro filme, se é uma refilmagem, tem que preservar a essência do roteiro que uma vez acredita-se que o original não tenha fugido muito da historia escrita, pois o filme é baseado em uma história de Philip K. Dick adaptada para o cinema, e quem ler um livro ou história em quadrinhos adaptadas para o cinema não quer ver grandes mudanças na versão cinematográfica estragando a história original com a justificativa de "ousadia"!
Refilmagem: 8. Original: 6.

Tom Ripley | sexta-feira, 22 de Março de 2013 - 19:51

Lembrado que um filme nem sempre tem como objetivo ser uma obra-prima e muitas vezes o objetivo é entreter com qualidade, logo não se pode avaliar um filme de ficção científica ou ação com os mesmo critérios que um filme que se propõe a ser um exercício de reflexão, exatamente por isto é bem mais fácil aplicar uma resenha de excelente á filmes dramáticos uma vez que o contexto destes filmes oferecem mais peças para se explorar em relação a um filme de ação, por exemplo, para confirmar é só ver a quantidade de filmes dramáticos indicados todo ano ao Oscar em relação a filmes de ação! E o que a de errado nisto, nada, cada filme tem uma proposta e o deste explicitamente é entreter e os erros explicitados na resenha não justifica a baixa avaliação! Valeu o preço do ingresso, fui me divertir e consegui, quando quiser ficar mais reflexivo procuro um filme dramático!
Lembrado que se o público for tão criterioso como alguns ‘críticos’, a indústria do cinema já tinha quebrado!

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