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Críticas

Cineplayers

Uma obra-prima sobre a podridão humana. Põe a nocaute a falha instutuição religiosa.

9,0

Embora alguns o reconheçam como um retardado, não tenho dúvidas ao afirmar que Lars von Trier é um dos maiores gênios ainda vivos do cinema mundial. Seus filmes sem concessões e sem objetivos comerciais ofendem a muitas pessoas. Cada história nova que ele lança no cinema expõe a hipocrisia, falsidade, egoísmo, inveja e outras facetas negativas dos seres humanos. Quando assistimos a um filme de von Trier, devemos sempre estar atentos para notar, em seus textos e nas situações que ele nos apresenta, mensagens que às vezes são, de forma quase invisível, endereçadas direta ou indiretamente a nós mesmos.

Ondas do Destino é sobre uma moça com leve deficiência mental que se apaixona insanamente por um bondoso trabalhador dos campos de petróleo. Em sua pequena comunidade na Escócia, recheada de clérigos hipócritas e sem-vergonhas, esse trabalhador é considerado um “outsider”, alguém de fora, e mesmo não totalmente bem-vindo ele se casa com Bess (Emily Watson) e passam a morar juntos na comunidade. Ela descobre o sexo e se torna ainda mais enlouquecida pelo marido, em uma relação intensa e sem reservas. Um acidente ocorre e o mundo deles e o das pessoas à sua volta revira de pernas para o ar.

Como sempre esteve acostumado a fazer, o roteiro co-escrito por von Trier não cansa de nos surpreender. Aparentemente um drama de banalidade exagerada, ele chega a ser tão auto-indulgente que pode ser confundido como uma grande e triste comédia, tamanha sua falta de realismo. Mas perto de seu final ele revela as suas verdadeiras intenções, revirando do avesso quaisquer expectativas do público de uma forma maravilhosa, não necessariamente boa nem ruim, apenas perfeita por si só. A mensagem, irônica, surpreendente, devido principalmente às atitudes de Bess, como veremos no próximo parágrafo.

Emily Watson passou, com sua atuação em Ondas do Destino, a integrar um grupo de atrizes pela qual se valeria à pena assistir, e isso persiste até hoje, mais de 10 anos depois. Apesar de sua personagem parecer hipócrita e sem valores morais, ela é o ser mais moralmente estável de toda a pequena comunidade. Somente parcialmente corrompida pela igreja, a esquizofrênica Bess vive em um mundo no qual os valores da sociedade em que convive pouco parecem lhe importar. Para manter o amor pelo marido, ela aceita prostituir-se sem reservas, ignorando a falsa civilidade da comunidade. O amor está acima de tudo para Bess, e nesse personagem tão ambíguo, Watson (que exibe nu frontal) conseguiu aparecer para o mundo, de forma absolutamente convincente.

Não vou relevar o final do filme, obviamente, mas o ato final é um dos raros casos que tem a força de fazer uma pessoa mudar toda a sua opinião, revertendo conceitos sobre personagens e alterando julgamentos de forma única. Sem explicar tudo para o espectador, o final pode ter uma ou duas interpretações diferentes, mas não se engane: neste caso, não é preguiça do roteirista, e sim exigência de que o espectador pense e, principalmente, sinta seus personagens. Sentimento ajudado pela belíssima trilha sonora, que possui músicas bem conhecidas e clássicas (uma de Elton John, por exemplo) inseridas perfeitamente nos entreatos do filme.

Ondas do Destino somente não é o melhor filme de von Trier por ele ter feito tantas outras obras-primas tão importantes e impactantes, como Europa, Os Idiotas e Dançando no Escuro, além da trilogia USA que ainda não se encerrou. Este aqui foi um de seus filmes feitos sobre as regras de seu nem sempre compreendido Dogma 95 (portanto, é um filme visualmente feio, mas realista). Obrigatório para fãs do diretor, fãs de filmes que destruam a falsa imagem da igreja ou fãs do bom cinema independente.

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